Saber Renunciar!

Pontualmente, o alarme do relógio soou à uma da manhã, tal como eu o havia programado.

Desliguei-o, e pela milésima vez apurei os meus ouvidos, para perceber se a intensidade do vento tinha diminuído alguma coisa. O que é que eu faço? Tinha passado a noite em claro, alternando o calor do meu saco – cama com a necessidade de ter de me levantar para agarrar a estrutura da minha tenda, constantemente açoitada por furiosas rajadas de vento.

Estava a 6000 metros de altitude em Campo Berlim, o último acampamento antes do cume do Aconcágua a 6963 metros de altitude.

Era a 2ª noite que passava aqui, pacientemente à espera que o vento amainasse e parasse de fustigar impiedosamente a minha tenda, só se ele me desse uma trégua é que eu poderia tentar alcançar o cume da Montanha.

Decidi arriscar, sabia que ia ser difícil, que teria de enfrentar para além do vento, a altitude, que a cada passo que desse faria diminuir  a quantidade de oxigénio disponível para eu poder respirar.

Saí de dentro do saco -cama, acendi o pequeno fogão de montanhismo e comecei a derreter alguma neve que tinha armazenada num saco a um canto da tenda.

Embalado pelo ronronar monocórdio do fogão, ia avaliando as minhas possibilidades, teria de ser rápido, o que na Montanha significa ir a um passo certo, evitando ao máximo as paragens.

Comecei a vestir-me, teria de ir bem abrigado, pois a temperatura devido ao vento estava bastantes graus abaixo de zero.

Por cima da 1ª capa de roupa interior, coloquei uma outra camada de forro polar, seguida de um casaco de plumas e de umas calças de gore-tex. Calcei as minhas botas e aproveitando o calor que saia da água que tinha começado a ferver na panela, aqueci um pouco as minhas mãos.

Bebi um chá e meti um punhado de frutos secos na boca, mastigando-os calmante para melhor poder aproveitar toda a sua energia.

Em seguida enchi o cantil de plástico com o resto do chá e coloquei-o no interior do meu casaco, para assim, o manter o mais quente possível.

Era 2 da manhã quando terminei todos os preparativos e ousei sair da tenda. O 1º impacto com o ar gélido, reteve-me a respiração por breves segundos, não tinha tempo a perder, era preciso movimentar-me para começar a produzir calor e evitar entrar em hipotermia.

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Dei o 1º passo e instintivamente olhei para o cume da Montanha, a avaliar o desafio que me esperava.

Por cima dela uma lua cheia magnífica, estendia uma “luz” esbranquiçada por toda a sua face.

Continuei a caminhar, passo a passo, fustigado pelo vento que impiedoso, zumbia por entre os penedos que me rodeavam.

Caminhava curvado para impedir que aquele ar frio embatesse directamente na minha cara. Passara uma hora, duas, três, e foi então que reparei que não tinha visto ninguém sair de nenhuma das poucas tendas que estavam instaladas perto da minha.

No dia anterior tinha conversado um pouco com dois canadianos, que tal como eu também são Professores de Educação Física, boa gente, simpática e rija, ficaram surpreendidos por eu estar ali sozinho. Bem, preferia ter companhia, mas não a tendo era preciso seguir em frente.

De vez em quando parava para rodar freneticamente os meus braços, evitando que as mãos esfriassem demasiado.

A progressão tornava-se cada vez mais difícil à medida que ia subindo, o vento ao invés de amainar, subia um pouco mais de intensidade.

Mais uns passos e uma pequena paragem para beber um pouco de chá, abrigado atrás de uma rocha.

Olhei o relógio, marcava as 6 horas da manhã e estava a 6370 metros de altitude. Voltei a pôr o cantil no interior do meu casaco, comi mais uns frutos secos e retomei a marcha.

O vento cada vez mais furioso, fazia-se acompanhar de pequenos flocos de neve, que mais pareciam pequenas pedras pelo barulho que faziam ao embater no meu casaco.

Tirei da mochila o meu casaco de gore-tex, velho companheiro destas andanças, mas que só utilizo quando a coisa se põe mesmo feia!

Mais uns passos de cabeça baixa, era quase impossível olhar em frente, tal a fúria com que a nevisca se abatia sobre mim.

De vez em quando levantava a cabeça para conferir a direcção em que seguia, era quase impossível orientar-me, pois a visibilidade era nula e o cume da montanha à muito que tinha desaparecido do meu campo de visão, só existindo agora na minha memória.

Sentia-me bem fisicamente, as pernas e o coração estavam fortes, o problema era aquele vento e aquela neve, o célebre “viento blanco” tão temido pelos andinistas.

Vamos, um pouco mais, quero fazer jus a um dos meus princípios, que diz que na montanha nunca se desiste ao primeiro obstáculo, vamos mais uns passos!

Ao meu redor tudo se tornava caótico, a neve como que enlouquecida, remoinhava, e o vento fazia-me cambalear.

Estava a 6417 metros de altitude e pensei para comigo: ” Fernando, chega! Já deste o teu melhor, mais do que isto não é possível, a montanha hoje não te deixa seguir mais!”

Percebi, era a altura de renunciar, sempre achei que ser capaz de perceber e assumir o momento certo para saber dizer Não, era uma das melhoras competências que um Montanhista devia possuir! E dei meia volta!

Para baixo, agora sempre para baixo, impulsionado pelo vento que agora estava pelas minhas costas, parecia que voava, e em pouco mais de uma hora, tinha regressado à minha tenda, agora coberta por uma pequena camada de neve.

Os companheiros das outras tendas atarefavam-se a desmontá-las, olharam para mim e ficaram admirados por verem que eu tinha arriscado subir.

Todos eles iam regressar ao campo base.

Saudei-os e entrei na minha tenda, bebi o resto do chá e olhando em redor, procurei arrumar as minhas ideias. Poderia ficar mais uma noite ali à espera, mas no meu íntimo sabia que o tempo não iria melhorar.

Percebi claramente que tinha de seguir a minha intuição e não permitir que o meu ego se sobrepusesse “, amachucado” por ter de renunciar a um objectivo com que havia sonhado durante tanto tempo.

A minha segurança tinha de prevalecer e por isso mesmo comecei a arrumar as minhas coisas, o saco – cama, a colchonete, o fogão, a panela, etc…

Ia dizendo a mim próprio que, saber renunciar faz parte do percurso, e que o importante é ter a consciência que demos o nosso melhor, que nos comprometemos com o nosso objectivo, mas tudo tem um limite.

Saí e rapidamente desmontei a tenda, apesar do vento e da tempestade de neve que se tinha instalado. Meti a mochila às costas e o mais rápido que as minhas forças permitiam, saí dali, pois sabia que a cada minuto que passasse tudo se tornaria mais difícil.

O caminho tinha desaparecido debaixo daquela neve, e foi só por instinto que me orientei, primeiro até “Nido de Condores” e depois dali para baixo até ” Plaza de Mulas”, o campo base do Aconcágua.

Foram 4 horas de intenso esforço e máxima concentração, mas quando por entre a tempestade vi a 20- 30 metros de mim o colorido das tendas, pude respirar de alívio, estava em segurança!

Dias mais tarde, quando no avião que me levaria de regresso a casa, sobrevoei a montanha e a vi completamente coberta de neve, percebi que tinha tomado a melhor decisão, naquela temporada mais ninguém tinha sequer tentado subi-la, e os riscos de avalanche eram enormes.

Aprendi uma grande lição, aprendi que saber dizer não, por muito que por vezes nos custe, faz parte do caminho e é essencial para termos sucesso, que no caso do montanhismo significa regressar são e salvo.

Eu estou vivo e o Aconcágua a maior montanha da América do Sul e do Hemisfério Sul, continuará lá, à espera que eu volte a tentar, respeitosamente, chegar ao seu cume!

O Legado de Terry Fox

A história que quero partilhar contigo, é uma das mais inspiradoras que conheço, e não raras vezes recorro a ela para me auto – motivar na superação dos meus desafios pessoais.

Terrance Stanley Fox, mais conhecido por Terry Fox, era um jovem canadiano, nascido em Winnipeg a 28 de Julho de 1958, desde pequeno que Terry mostrava muita paixão pelo desporto, em particular pelo Basquetebol e pela corrida.

Apesar de medir apenas 1,73 metros de altura, não se amedrontava perante os “gigantes” das outras equipas e compensava a sua baixa estatura com uma grande determinação e entrega nos treinos, ganhando a admiração dos seus colegas.

No entanto, tudo mudou naquela tarde de 12 de Novembro de 1976, quando embateu com o carro que conduzia em direcção ao treino, na traseira de uma camião.

Apesar do susto, Terry apenas ficou com uma pequena dor no joelho direito, o que nem sequer o impediu de apanhar um autocarro e marcar presença em mais um treino da sua equipa, como tanto gostava!

Os dias passavam ,e aquela dor a que não tinha dado grande importância não cedia, apesar dos tratamentos caseiros e dos analgésicos que começou a tomar.

No dia 1 de Março de 1977, Terry ,depois de dar 7 voltas a correr na pista de Atletismo da sua Escola, teve de parar, tinha o joelho muito inchado e mal conseguia andar.

Decidiu ir ao médico!

Três dias mais tarde, o médico anunciou-lhe sem dúvidas nenhumas, que tinha um osteosarcoma, um cancro nos ossos que atinge sobretudo crianças e adolescentes.

Devastado com o diagnóstico mas com a coragem de sempre, Terry foi sujeito a uma operação 5 dias depois, onde lhe amputaram a perna direita acima do joelho, tendo  os médicos pensado que o cancro estava controlado.

Quando acordou, e ainda sonolento da anestesia, perguntou a si mesmo quando é que poderia voltar a andar.

Recorrendo ao seu carácter lutador e à sua coragem inabalável, encetou uma recuperação impressionante que deixou todas as pessoas admiradas.

Experimentou a 1ª prótese 3 semanas depois de ter sido operado, e 3 semanas mais tarde, já conseguia caminhar o suficiente para poder participar em jogos de mini-golfe.

Trabalhou no fortalecimento de todo o corpo e decidiu começar a correr, desafiando-se a si mesmo!

Na 1ª corrida de 100 metros em que participou, ao tiro de partida, Terry saiu o mais rápido que podia, mas ainda não tinha percorrido 10 metros e já a sua prótese se tinha partido pelo joelho!

Este insucesso, ao invés de derrotá-lo, deu-lhe ainda mais forças para continuar, levando-o a procurar melhorar a sua prótese, que não chegava sequer aos “calcanhares” das actualmente utilizadas  pelos velocistas e maratonistas.

Terry  era um lutador incansável, e na sua cabeça foi nascendo a ideia de atravessar todo o Canadá a correr, como forma de angariar fundos para ajudar a pesquisar formas de luta contra o cancro!

Durante um ano  treinou arduamente, participando inclusive numa prova de 27 quilómetros, que completou em 3 horas e 9 minutos  ficando na última posição.

Decidido a concretizar o seu projecto a que chamou de Maratona da Esperança, angariou apoios, uma carrinha de apoio que seria conduzida por um amigo, algum material desportivo e ajuda financeira para o combustível.

Até que finalmente o grande dia chegou, e a 12 de Abril de 1980, Terry partiu de St. John´s na Terra Nova, junto ao Oceano Atlântico, de onde encheu duas garrafas de água que pretendia despejar no Oceano Pacífico, quando terminasse a sua jornada  7250 quilómetros mais à frente!

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Durante 143 dias  Terry não parou, percorrendo mais de 5000 quilómetros a uma média de 40 quilómetros por dia!

A sua determinação, coragem e espírito de missão, permitiram-lhe ultrapassar o cansaço e a fadiga, fazendo com que a cada dia que passava a sua mensagem chegasse mais longe, empolgando as pessoas de um País inteiro, que no final de cada etapa, faziam fila para contribuir financeiramente para tão nobre causa.

Ninguém ficava indiferente a este gesto sobre-humano.

Tiveram vários percalços, num deles um camião abalroou a comitiva, ferindo várias pessoas e não matando Terry Fox por pouco.

Até que no dia 1 de Setembro de 1980, em Thunder Bay, Ontário, com 5373 quilómetros percorridos, Terry foi forçado a parar, o cancro tinha atingido os seus pulmões!

Dias antes, tinha dito que se não pudesse terminar esta tarefa, outros teriam que a fazer por ele, pois esta causa tinha de prosseguir o seu caminho!

Terry lutou tenazmente contra a doença durante quase um ano, até que faleceu no dia 28 de Junho de 1981, um mês antes de completar 23 anos.

Quando foi obrigado a parar, muitos quiseram terminar a tarefa por ele, o que recusou, na esperança de ainda poder completar o caminho por si mesmo! No entanto, quando verificou que isso já não seria possível, incentivou a realização de outras corridas como forma de angariação de fundos.

A sua vontade foi cumprida, e a 13 de Setembro de 1981 foi realizada a 1ª corrida Terry Fox, reunindo 300 mil participantes  em mais de 700 localidades, o que permitiu arrecadar 3,5 milhões de US$.

Hoje, a Fundação Terry Fox  realiza corridas em todo o mundo e já arrecadou centenas de milhões de dólares para projectos de combate ao cancro.

Em Portugal esta corrida realiza-se todos os anos no Parque das Nações, na distância de 10 quilómetros, estando a próxima agendada para o dia 21 de Abril, ás 10 horas da manhã, e revertendo a receita para a sua Fundação.

Pela minha parte, todos os anos procuro participar, é a minha modesta contribuição para uma causa tão grandiosa!

Terry, foi escolhido por todos os Canadianos, como a personagem mais famosa do século XX e a 2ª mais importante da história do País.

Existem estátuas e bustos seus por muitos lugares, várias ruas,  parques e escolas com o seu nome, perpetuando o seu legado e reforçando os valores que defendia.

Para mim, o espírito de Terry Fox permanece bem vivo e inspira-me sempre a dar o meu melhor.

Foi um grande exemplo de coragem e determinação em prol de uma causa, que abraçou e soube transformar na missão da sua vida!

 

A DESCOBERTA DOS PIRINÉUS

Recordo com muito carinho a primeira vez que fui aos Pirinéus.

Foi no ano de 1992, na altura eu era Professor da disciplina de Educação Fisica na Escola Infante D. Pedro em Alverca, e tinha lá fundado um núcleo  de montanhismo em 1989.

Este clube todos os anos fazia actividades de vários dias nas Serras de Sintra , do Gerês e da Estrela, e comecei a pensar que o passo seguinte seria proporcionar aqueles jovens de 14 e 15 anos de idade, uma experiência fora do país.

Decidi levá-los ao Parque Natural dos Pirinéus Franceses!

Estávamos em Dezembro, e após uma actividade de 3 dias na Serra de Sintra, apresentei-lhes a minha ideia, a reacção deles não podia ser mais esclarecedora, todos queriam ir!

Em seguida, falei com a minha colega que era a presidente do Conselho Directivo da escola, que achou a ideia excelente, as coisas começavam a compor-se, isto apesar das criticas de alguns colegas, que se apressaram a antecipar imensos problemas e terríveis catástrofes!

Na minha cabeça a ideia era clara, conseguia visualizar claramente os contornos deste projecto.

Escolhi a pequena aldeia de Lourdios-Ichére  para ai assentar arraiais durante 15 dias, numa pequena casa disponibilizada pela “Mairie” local.

Iniciei o planeamento com os membros do grupo, que não cabiam em si de entusiasmo.

Não havia tempo a perder,  como existiam muito interessados e só 15 poderiam ir, decidimos que seria efectuado um sorteio entre os rapazes e outro entre as raparigas , para assim se respeitar o principio da proporcionalidade.

Depois, todos se dispuseram a preparar da melhor forma para tão ambicioso projecto, falei com as minhas colegas  das disciplinas de Geografia e Biologia, que estudaram com eles as caracteristicas da zona para onde iamos.

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Uma colega de Francês voluntariou-se para leccionar mais uma aula semanal, com a finalidade de os tornar autónomos na língua francesa, e eu, para além das aulas de Educação Fisica, agendava mais dois treinos semanais que todos cumpriam com inegável satisfação!

Tínhamos que nos preparar bem para aproveitar da melhor forma esta oportunidade! Quando existe um propósito claro, tudo se torna mais fácil!

Entretanto tinha sido feita uma reunião com os Encarregados de Educação, que manifestaram grande entusiasmo e confiança no projecto e em mim próprio.

Tudo corria como planeado, em Março mantivemos a nossa actividade habitual em neve e rocha na Serra da Estrela, e em Junho, fizemos a tradicional travessia do Gerês em autonomia, durante 7 dias.

Chegou finalmente o dia mais difícil, sortear quem iria à viagem! Na presença de todos foram retirados os 15 nomes finais, e por entre lágrimas e sorrisos, todos se felicitaram, os que iam e os que infelizmente ficavam!

Que belo espirito de equipa, orgulhava-me deles, de todos eles, tinha-lhes ensinado o valor da partilha, da entreajuda, da solidariedade, durante as nossas actividades, sempre que alguém por exemplo abria um pacote de bolachas, partilhava-o naturalmente por todos, e agora o resultado estava ali! Fiquei comovido.

Chegou o dia da partida, e lá fomos nós de comboio, eu, mais 6 raparigas e 9 rapazes, numa viagem que durou 23 horas!

Por lá ficamos 15 dias, vivendo de forma comunitária, apoiando-nos uns aos outros, e fazendo actividades até mais não poder!

Escalada, Rapel, Canionismo, Caminhada, Espeleologia, a subida ao Pico de Anie com 2501 metros de altitude, a minha primeira corrida de montanha, e sobretudo muito convivio, muitas conversas à fogueira, muitas peripécias, muitos sonhos partilhados, muitos abraços fraternos.

No meio da lama, da chuva, do suor e do cansaço, fomos uma verdadeira equipa, um grupo de amigos, uma familia!

As dificuldades uniram-nos, e regressámos mais fortes!

Decorreram 24 anos, já 24 anos, muitas voltas deu a vida, deixei de ver alguns deles, sou amigo de outros, padrinho de alguns dos seus filhos, mas dentro do meu coração, esta façanha perdurará para sempre.

Recordo os rostos de todos eles, as suas caras juvenis, risonhas, cheias de esperança, e eu a esta distância, sinto uma pontinha de orgulho, porque sei que a experiência que os ajudei a viver marcou a vida deles.

Mostrei-lhes que é bom sonhar, que o mundo é vasto e belo, na sua grandeza e abundância, que quando as boas vontades e a amizade se unem, tudo se torna possível, e que todos os sonhos, mesmo os mais inverossímeis, quando regados com suor e alimentados com esperança, podem originar belas experiências de vida!

Cliff Young – O Vencedor Improvável

A ultra maratona de Sidney a Melbourne é considerada um dos desafios físicos mais difíceis do mundo.

Ao longo de 875 km, os participantes atravessam montes e planícies durante pelo menos 7 dias!

Têm ordem para comer e dormir onde entenderem, e o vencedor recebe um prémio de 10 mil dólares.

Em 1983, um homem muito magro de 61 anos, produtor de batatas, decidiu participar, apresentando-se na linha de partida de fato de macaco e galochas, para espanto dos outros corredores que apresentavam os últimos modelos da Nike, da Reebok, da Adidas… O gozo foi geral!

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Perante os organizadores e jornalistas, preocupados com a possibilidade de um ataque cardíaco, Cliff Young, assim se chamava este bizarro participante, assegurou-lhes que tinha crescido numa quinta onde não existindo cavalos ou qualquer outro veiculo, era ele que muitas vezes, perante a iminência de uma tempestade, tinha que correr durante dois ou três dias seguidos, para assim reunir as duas mil ovelhas da família, espalhadas por uma quinta de 4000 hectares.

Quando a corrida começou, todos os corredores arrancaram a alta velocidade, deixando Cliff para trás!

Pouco incomodado, Cliff continuou no seu ritmo lento e com passada curta, reforçando a preocupação dos organizadores de que a qualquer momento, e em qualquer lugar do percurso, o iriam encontrar morto!

Cliff, que nunca tinha conhecido nenhum corredor de longa distância, nem nenhum treinador, que tão pouco lera alguma vez algum livro ou revista sobre corrida, tinha um segredo que ele próprio desconhecia.

Não sabia que, numa corrida desta dimensão, era suposto dormir seis ou sete horas por noite!

Na primeira noite, Cliff apenas dormiu duas horas, enquanto os outros dormiam, ele continuava no seu passo lento e curto, sempre devagar mas sem nunca parar!

Assumiu a liderança, que nunca mais perdeu até ao fim da corrida!

No dia seguinte dormiu apenas uma hora, correndo sem parar durante 23 horas!

Indiferente a tudo e a todos, quase sem dormir, Cliff percorreu os 875 km do percurso em 5 dias, 15 horas e 4 minutos, deixando o segundo classificado a mais de dez horas!

Apesar de correr quase 4 maratonas por dia, Cliff Young, retirou mais de dois dias ao anterior recorde! UFA…

Gosto muito desta história! Ela diz-nos que devemos sempre seguir o nosso próprio caminho, à velocidade que mais nos convém, indiferentes às criticas e opiniões de outras pessoas, e fazendo “tábua rasa” de crenças que sendo fundamentais para outros, podem não nos servir a nós próprios.

É preciso desafiá-las SEMPRE!

DIÁRIO DE UM ALPINISTA

Quero partilhar contigo uma página do meu diário, referente a uma expedição que realizei há alguns anos, e da qual guardo gratas e carinhosas recordações. Aqui vai…

Diário de um Alpinista

Dia 17 da expedição ao Muztagh-Ata (7546 m) – China

São 2 horas da manhã (10 horas da manhã em Portugal).

Ainda dentro do meu saco cama, atrevo-me a meter a cabeça fora da tenda.

O meu relógio marca  20º negativos de temperatura… BRRR!

É preciso levantar, ganhar coragem para abandonar o conforto do meu saco cama, coberto por uma camada de gelo fino que se parte a cada movimento que faço.

Acendo o fogão e princípio a tarefa de derreter neve, é preciso preparar o máximo de líquidos, ingerir a maior quantidade possível de sopa e de chá.

Esta 2ª noite passada a 6950 metros de altitude, tem efeitos devastadores sobre um organismo menos bem hidratado.

Acordo o meu colega Denis, que é francês, passou muito mal a noite, sofre muito com a altitude e só a sua enorme perseverança o mantém aqui.

Dou-lhe de beber e de comer, alerto-o para a necessidade de “escutar” o seu corpo, pois só assim evitará algum excesso que lhe possa ser fatal.

Duas horas mais tarde estamos fora da tenda, debaixo dos nossos crampons, o gelo e a neve rangem a cada passo.

Á nossa frente, talvez a 8 horas de distância, o cume do Muztagh-Ata brilha, como que a desafiar-nos para que o alcancemos.

Iniciamos a ascensão, passo a passo, respiração a respiração, toda a atenção é pouca, a escuridão da noite  apesar de rasgada pela luz dos nossos frontais, esconde

enormes perigos que é preciso saber evitar.

No céu vêem-se já as primeiras claridades da aurora, numa panóplia de cores que o melhor dos pintores por certo não desdenharia. Magnifico!

Continuo no meu esforço, agora sozinho, o Denis não aguentava mais, estava exausto.

Sei que não posso parar, se o fizer, o frio intenso acabará por me vencer.

Cada músculo do meu corpo, faz-me lembrar que estou vivo, o silêncio, este majestoso silêncio, enche-me de paz, apesar das dificuldades….

Deixo de subir, cheguei ao cume!

Ao meu redor que paisagem, o deserto de Taklamakan, as Montanhas do Paquistão, do Kazaquistão, do Afeganistão, do Kirguistão, eu sei lá….

Sento-me. Que beleza, que paz, que silêncio, que grandiosidade.

Como poderei eu alguma vez explicar o que vejo e sinto? Impossível!

Não há palmas, não há público, só eu e as montanhas ao meu redor.

O corpo pede-me para ficar, é normal, a 7546 metros de altitude,  o oxigénio está reduzido a apenas 30%,e tem esse efeito sobre nós.

Tiro fotografias e desço, tenho de descer, o objectivo é chegar ao cume e regressar, são e salvo!

Sinto os dedos frios e as forças ao fim de dez horas de intensa actividade já não são as mesmas.

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Três horas mais tarde  avisto ao longe o amarelo da minha tenda, e os braços do Denis que se agitam no ar a indicar-me o caminho, mais uns passos e estarei a salvo no conforto do saco cama e com uma caneca de chá nas mãos, para me aquecer.

Finalmente cheguei, o meu companheiro felicitou-me e oferece-me o chá que eu tanto anseie, agradeço-lhe e preparo-me para passar outra noite a 6950 metros de altitude.

Sinto-me tranquilo e cansado, muito cansado! Subir e descer custaram-me 14 horas de esforço e ligeiras congelações nos dedos. Ossos do ofício.

Amanhã há mais, é preciso descer para o campo base, a 4400 metros de altitude, só aí estarei totalmente seguro.

Por hoje terminou a jornada, é bom sentir o calor do saco cama que pouco a pouco vai invadindo o meu corpo.

Ao som da música do meu mp3, sinto os olhos cada vez mais pesados e o último pensamento que tenho, é o de que vale a pena sonhar……. Sonhar …….

Espero que tenhas gostado, é um pedaço das minhas memórias da montanha, que quis partilhar contigo.

Espero que ele te possa ter inspirado, a lutares cada vez com mais força e determinação, pelos teus objectivos!

Um grande abraço, e até ao dia em que possamos subir juntos, uma bela Montanha!