Manuel Dias

Manuel Dias era um atleta muito franzino que primava pela sua permanente boa disposição.

Sendo ardina de profissão, como a maior parte dos corredores pedestres dessa altura,recolhia os jornais no Bairro Alto, onde se situavam a maior parte das redacções dos jornais de então, e partia em passo de corrida pela cidade fora, distribuindo pelos clientes os jornais que transportava numa sacola, aproveitando assim para treinar para as provas!

Como corredor marcou uma época, tendo ficado conhecido pelas suas presenças na Maratona dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 e na Maratona da Coroação em Londres, ano seguinte, onde aliás ficou num honroso 2º lugar!

Artigo relacionado: NUNCA É TARDE PARA COMEÇAR…

Nos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim, os jogos de Hitler, Manuel Dias comandou a prova da Maratona até aos 15 km, juntamente com o Argentino Zaballa, tendo passado em 4º lugar à Meia Maratona, facto devidamente anunciando nos altifalantes do Estádio Olímpico.

No entanto a utilização de umas sapatilhas de ginástica muito frágeis, que lhe tinham oferecido dias antes e que ele nem sequer experimentara, deixaram-lhe os pés em sangue, obrigando-o a parar por volta dos 30 kms.

Foi nessa altura que um escuteiro que prestava apoio à prova, lhe emprestou as suas botas, permitindo-lhe assim terminar a Maratona em 17º lugar.

No final, Manuel Dias referiu que, na ânsia de prestigiar o nosso país, se tinha entusiasmado na parte inicial, correndo mais rápido do que o aconselhado.

Manuel Dias que começou a correr pelo Grupo Desportivo Vendedores de Jornais, representou também o Benfica e o Sporting, tendo sido Campeão Nacional 25 vezes, 6 delas na Maratona e 8 no Corta- Mato.

Apesar dos seus feitos, continuou a ser ardina, trabalho que desempenhava desde menino.

Anos mais tarde, em 1949, ainda vendedor de jornais, saiu-lhe um prémio na lotaria no valor de 40 contos (200€ na moeda actual), tendo com esse dinheiro fundado o Jornal Desportivo “Record”.

Sendo talvez, o primeiro grande fundista da História do Atletismo Português, será sempre recordado como um atleta alegre e generoso, pequeno no tamanho, mas muito grande na vontade de VENCER!

 

 

NUNCA É TARDE PARA COMEÇAR…

Faleceu no ano passado, no dia 16 de Outubro de 2017, a Senhora Harriette Thompson, com 94 anos, uma mulher que nos ensinou que nunca é tarde demais para começarmos o que quer que seja.

A Senhora Harriette, sobrevivente de 2 cancros ( na pele e no maxilar), começou em 1999 a correr a Maratona, com 76 anos de idade e só parou aos 92.

Antes só havia corrido com o seu marido distâncias mais curtas, na década de 50, no entanto, desafiada por uma amiga do coro onde cantava, decidiu participar na Maratona de San Diego como forma de angariar dinheiro para as pesquisas sobre a Leucemia e o Linfoma.

Ano após ano, esta Senhora foi terminando Maratonas, até que em 2015 se tornou a mulher mais velha a terminar uma Maratona, mais uma vez a de San Diego, com a proveta idade de 92 anos e 93 dias, percorrendo os 42.195 metros em 7 horas, 24 minutos e 36 segundos!

este ano, mais precisamente em 4 de Junho de 2017, completa a Meia Maratona de San Diego em 3 horas, 42 minutos e 56 segundos, tornando-se a mulher mais velha de sempre a completar esta distância!

Artigo relacionado: Manuel Dias

A sua última prova foi no dia 26 de Agosto de 2017 em Charlotte na distância de 5 kms.

Harriette, que perdeu o seu marido para o cancro em 2015, e que tinha um dos seus 5 filhos doente com a mesma doença, corria por uma causa, para a qual conseguiu angariar mais de 120.000 dólares ao longo de 18 anos.

Adorava a música, tendo sido pianista profissional do Carnegie Hall, a casa de concertos mais famosa de Nova York, e afirmava que corria sempre com a música de Rachmaninoff, o seu compositor preferido, na cabeça, não precisando de auscultadores, porque a imaginava!

Para ela, tocar piano era bem mais difícil do que correr a Maratona!

Artigo relacionado: Cliff Young – O Vencedor Improvável

Quando bateu o recorde do Mundo, cortou a meta com o seu filho Brenneman, e disse que estava bem porque foi muito mimada durante todo o trajeto.

Perguntavam-lhe muitas vezes como se sentia, respondia sempre: ” Estou bem, a não ser que queiram saber os detalhes, tenho limitações que não tinha antes e não me mexo tão rápido como há 18 anos atrás, mas no geral estou bem!” dizia sempre sorrindo.

Pensamento positivo, uma causa pela qual lutar, e uma força de viver indomável!

Mais palavras para quê…

 

A MARATONA E A VIDA

No domingo passado corri mais uma maratona, a de Lisboa.

Ao longo do ano vou participando nalgumas corridas de longa distância, é uma maneira de estar preparado para as aventuras que vão surgindo.

Do meu treino “útil”, faz parte a capacidade de a qualquer altura e em qualquer lugar, ser capaz de correr durante muitas horas.

E assim foi, no sábado inscrevi-me, e no domingo lá estava eu na linha de partida, com as pernas ainda doridas do treino que havia efectuado na sexta-feira anterior.

Para mim, correr uma longa distância é como fazer um filme sobre a própria vida, é sempre uma aventura!

Dada a partida, é essencial escolhermos o ritmo que melhor nos convém, ignorando o modo como as outras centenas de corredores que nos rodeiam, querem seguir o seu caminho.

Somos nós que escolhemos como queremos conduzir a nossa corrida e já agora, a nossa própria vida!

À medida que os quilómetros vão passando, é muito importante irmos  “escutando” o nosso corpo, irmos percebendo se aquele é o ritmo certo, se aquela passada é a adequada à concretização do nosso objectivo, terminar em beleza os 42,195 metros da maratona.

Cada vez que passava por um abastecimento que um(a) jovem de cara alegre nos oferecia,aceitava e agradecia, retribuindo-lhe a sua amabilidade com o meu sorriso.

À passagem pelas bandas de música que animavam o caminho, cantava, divertia-me, e desta forma sacudia por momentos, o peso de tão longa jornada.

Quantas e quantas vezes na nossa vida, perdemos a oportunidade de descontrair, não oferecendo a nós próprios os momentos de diversão que merecemos!

Inclusive, aos primeiros acordes de “knocking on heaven`s door”, um original de Bob Dylan, emocionei-me ao recordar um amigo já desaparecido, com quem tocava esta música. Redobrei de ânimo!

Os quilómetros iam passando, as sensações eram boas, estava a desfrutar de tudo, da paisagem, dos aplausos das pessoas, e do meu próprio desempenho.

Artigo relacionado: Manuel Dias

Não compito contra nada, nem contra ninguém.

Ás vezes oiço dizer a outras pessoas, que competem contra si próprios, contra o percurso, contra os outros, não é isso que se passa comigo, os outros para mim são apenas companheiros de jornada, que não hesito em ajudar se tal for necessário.

Não compito contra o percurso, desfruto dele e muito menos contra mim próprio, pois sei que a jornada deve ser feita não contra mim, mas comigo próprio, com a minha consciência, as minhas emoções, o meu corpo, tudo em harmonia.

Com o acumular dos quilómetros e da fadiga, aparece um ou outro momento menos bom, que é preciso enfrentar com fé e determinação, sabendo que somos capazes, que tudo irá passar, que a meta está cada vez mais próxima!

Com estes pensamentos voltamos a focar-nos no que é essencial, voltamos a escutar o nosso corpo, e afinamo-lo com o nosso propósito, passada após passada.

Nos últimos quilómetros já não existe o calor dos aplausos, a paisagem deixa de ser bonita, não interessa, temo-nos a nós próprios, ao nosso ânimo, à nossa generosidade, ao nosso querer, e continuamos em frente!

Por fim, meta à vista! Sem querer estugamos o passo, agradecemos os últimos aplausos e satisfeitos, cruzamos a meta, de sorriso na cara!

Mais do que olhar para o relógio, fica o orgulho de terminar mais uma maratona sem ter precisado de andar.

Agora é hora de celebrar! A vida deve ser comemorada em todas as oportunidades, por mais pequenas e banais que sejam!

Vamos a isso! De roupa mudada e em boa companhia  sento-me numa esplanada, e erguendo o meu copo de cerveja, brindo a todos os companheiros e companheiras, que naquela manhã solarenga ousaram sair da sua zona de conforto, e dando o melhor de si próprios, terminaram a Maratona.

Todos saíram vitoriosos!