A Magia da Escalada

A Escalada é uma actividade de que gosto muito.

Faz vir ao de cima os meus traços de criança, do tempo em que subia às árvores para me esconder dos meus amigos durante as nossas brincadeiras, ou simplesmente para me aventurar e poder ver as coisas desde cima.

Escalar é confrontar-me comigo mesmo, é procurar dentro de mim a determinação e a concentração necessárias, para  ultrapassar as dificuldades que vão surgindo.

Quando chegas ao sopé de uma falésia escolhes a via que queres subir, olhas para o seu topo e imaginas-te a chegar lá acima.

Depois à medida que o teu olhar percorre as paredes rochosas, vais antecipando os possíveis pontos em que te poderás apoiar.

Começas a equipar-te, colocas o baudrier ou arnês, escolhes o material de que vais precisar e preparas a corda, trocas as últimas palavras com o teu companheiro(a), e lá vais tu rumo ao desafio.

Só podes utilizar as tuas mãos e os teus pés, de forma coordenada e precisa.

A regra é manter sempre durante a tua progressão, três pontos de apoio em contacto com a parede, ou as duas mãos e um pé, ou os dois pés e uma mão. Ou seja, enquanto deslocas um apoio, os outros três têm que se manter colocados na parede.

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À medida que as dificuldades vão surgindo tens que analisar a situação, não raras vezes, aquilo que te parecia visto de baixo ser uma solução óbvia, ali, em plena acção, não se mostra adequada.

É preciso  manter o foco, procurar as melhores opções, a parede encerra sempre outras possibilidades, é uma questão de procurar e nunca desistir!

Por vezes continuar parece impossível  por não encontrares solução, nessas ocasiões é fundamental manter a calma, respirar fundo umas duas vezes e tentar mudar a tua perspectiva.

Perceber se existe outra forma de abordar o problema, e então como que por magia, vês uma pequena saliência ou reentrância em que ainda não tinhas reparado, e experimentas, quase sempre essa é a solução para o impasse.

Por vezes trocamos algumas palavras com o nosso companheiro, coisa pouca, pois é fundamental mantermos a concentração.

Se estamos sozinhos, o compromisso é ainda maior, pois não existe ninguém para nos apoiar.

A escalada não se compadece com fanfarronices ou vaidades ocas, é preciso dar sempre o nosso melhor!

Mas quando chegas ao topo, que satisfação! Todos os esforços mereceram a pena, todos os medos que enfrentaste foram recompensados, a sensação de preenchimento é incrível!

É altura de relaxar um pouco e desfrutar das paisagens que quase sempre se abrem diante de ti.

Respiras fundo e sentes que mereceu a pena!

Bom, é hora de descer em rapel, de voltar à base da parede, só aí terminou a aventura.

Contigo a controlar a tua  própria descida, ou com o auxílio do teu companheiro, é necessário manter a concentração, e quando por fim tudo terminou, respiras fundo e sentes-te invadir por uma “onda” de confiança muito grande, que te faz sentir indestrutível.

O teu sucesso é também o sucesso do teu companheiro(a), e na maior parte das vezes é selado com um abraço fraterno e sincero, que nos faz sentir bem.

Mas tudo é muito efémero, porque o entusiasmo teu ou do teu colega, logo te empurra para uma nova tentativa, na maior parte das vezes, para uma outra via que estava mesmo ali a “piscar-nos o olho”.

E tudo recomeça, com o entusiasmo e a ilusão em estado puro, como uma criança que vê em cada brincadeira com os seus amigos, a razão de ser de uma vida.

E quando por fim, por cansaço ou porque a noite já caiu, terminas a tua jornada de escalada, a sensação é magnífica, sentes que sais dali mais forte  apesar do cansaço que o teu corpo sente, a tua mente tranquila e feliz, agradece por lhe teres dado uma pausa na azáfama e nas preocupações do dia a dia.

Agradece-te por teres regressado aos teus tempos de Menino, com um Sorriso na Cara!

A DESCOBERTA DOS PIRINÉUS

Recordo com muito carinho a primeira vez que fui aos Pirinéus.

Foi no ano de 1992, na altura eu era Professor da disciplina de Educação Fisica na Escola Infante D. Pedro em Alverca, e tinha lá fundado um núcleo  de montanhismo em 1989.

Este clube todos os anos fazia actividades de vários dias nas Serras de Sintra , do Gerês e da Estrela, e comecei a pensar que o passo seguinte seria proporcionar aqueles jovens de 14 e 15 anos de idade, uma experiência fora do país.

Decidi levá-los ao Parque Natural dos Pirinéus Franceses!

Estávamos em Dezembro, e após uma actividade de 3 dias na Serra de Sintra, apresentei-lhes a minha ideia, a reacção deles não podia ser mais esclarecedora, todos queriam ir!

Em seguida, falei com a minha colega que era a presidente do Conselho Directivo da escola, que achou a ideia excelente, as coisas começavam a compor-se, isto apesar das criticas de alguns colegas, que se apressaram a antecipar imensos problemas e terríveis catástrofes!

Na minha cabeça a ideia era clara, conseguia visualizar claramente os contornos deste projecto.

Escolhi a pequena aldeia de Lourdios-Ichére  para ai assentar arraiais durante 15 dias, numa pequena casa disponibilizada pela “Mairie” local.

Iniciei o planeamento com os membros do grupo, que não cabiam em si de entusiasmo.

Não havia tempo a perder,  como existiam muito interessados e só 15 poderiam ir, decidimos que seria efectuado um sorteio entre os rapazes e outro entre as raparigas , para assim se respeitar o principio da proporcionalidade.

Depois, todos se dispuseram a preparar da melhor forma para tão ambicioso projecto, falei com as minhas colegas  das disciplinas de Geografia e Biologia, que estudaram com eles as caracteristicas da zona para onde iamos.

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Uma colega de Francês voluntariou-se para leccionar mais uma aula semanal, com a finalidade de os tornar autónomos na língua francesa, e eu, para além das aulas de Educação Fisica, agendava mais dois treinos semanais que todos cumpriam com inegável satisfação!

Tínhamos que nos preparar bem para aproveitar da melhor forma esta oportunidade! Quando existe um propósito claro, tudo se torna mais fácil!

Entretanto tinha sido feita uma reunião com os Encarregados de Educação, que manifestaram grande entusiasmo e confiança no projecto e em mim próprio.

Tudo corria como planeado, em Março mantivemos a nossa actividade habitual em neve e rocha na Serra da Estrela, e em Junho, fizemos a tradicional travessia do Gerês em autonomia, durante 7 dias.

Chegou finalmente o dia mais difícil, sortear quem iria à viagem! Na presença de todos foram retirados os 15 nomes finais, e por entre lágrimas e sorrisos, todos se felicitaram, os que iam e os que infelizmente ficavam!

Que belo espirito de equipa, orgulhava-me deles, de todos eles, tinha-lhes ensinado o valor da partilha, da entreajuda, da solidariedade, durante as nossas actividades, sempre que alguém por exemplo abria um pacote de bolachas, partilhava-o naturalmente por todos, e agora o resultado estava ali! Fiquei comovido.

Chegou o dia da partida, e lá fomos nós de comboio, eu, mais 6 raparigas e 9 rapazes, numa viagem que durou 23 horas!

Por lá ficamos 15 dias, vivendo de forma comunitária, apoiando-nos uns aos outros, e fazendo actividades até mais não poder!

Escalada, Rapel, Canionismo, Caminhada, Espeleologia, a subida ao Pico de Anie com 2501 metros de altitude, a minha primeira corrida de montanha, e sobretudo muito convivio, muitas conversas à fogueira, muitas peripécias, muitos sonhos partilhados, muitos abraços fraternos.

No meio da lama, da chuva, do suor e do cansaço, fomos uma verdadeira equipa, um grupo de amigos, uma familia!

As dificuldades uniram-nos, e regressámos mais fortes!

Decorreram 24 anos, já 24 anos, muitas voltas deu a vida, deixei de ver alguns deles, sou amigo de outros, padrinho de alguns dos seus filhos, mas dentro do meu coração, esta façanha perdurará para sempre.

Recordo os rostos de todos eles, as suas caras juvenis, risonhas, cheias de esperança, e eu a esta distância, sinto uma pontinha de orgulho, porque sei que a experiência que os ajudei a viver marcou a vida deles.

Mostrei-lhes que é bom sonhar, que o mundo é vasto e belo, na sua grandeza e abundância, que quando as boas vontades e a amizade se unem, tudo se torna possível, e que todos os sonhos, mesmo os mais inverossímeis, quando regados com suor e alimentados com esperança, podem originar belas experiências de vida!