Recordo aquele olhar…

Em 2019, atravessei a Lapónia Finlandesa, a pé, de canoa e de bicicleta todo o terreno.

Saí bem lá de cima até chegar a Rovaniemi, onde passa a linha do círculo Polar Ártico.

Foram 380 km de puro desafio, em regime de auto suficiência, que exigiu de mim uma constante Superação!

Guardo desta viagem emoções muito fortes, e recordações que, estou certo, perdurarão na minha memória por muitos e bons anos.

É precisamente uma dessas recordações que quero partilhar contigo.

Tinha decidido bivacar nas margens do rio que estava a descer.

Após 7 horas seguidas a remar, a minha vontade era puxar a canoa para terra, mudar de roupa, fazer uma pequena fogueira, preparar uma refeição quente e meter-me dentro do meu saco cama.

E assim fiz.

Estava frio, muito frio, mas a pouco e pouco, sentia o calor invadir o meu corpo.

Estava cada vez mais relaxado e grato, por mais um dia de aventuras naquele rio de águas límpidas e frias.

No total já levava cento e tal km de canoagem, e os 37 que tinha feito hoje, tinham exigido de mim o máximo de concentração e esforço, pois as muitas pedras e remoinhos existentes, podiam virar-me a mim e á canoa a qualquer instante, colocando-me numa situação muito delicada.

Envolto neste pensamentos e na esperança de ver alguma aurora boreal, frequentes por estas paragens nesta altura do ano, adormeci.

De vez em quando acordava, incomodado com o chão arenoso com algumas pedras à mistura onde tinha decidido bivacar, mas embalado pelo som som do rio que corria ao meu lado, voltava a adormecer.

Até que, sentindo um barulho diferente ao pé de mim, acordei sobressaltado!

A cerca de 3 metros de distância, uma grande rena olhava curiosa na minha direção, parecendo perguntar-me o que “raio estava eu ali a fazer?”

Fiquei quieto no meu saco cama, com receio de quebrar aquele momento tão raro, e durante 1-2 minutos ficámos a olhar um para o outro.

Aquele olhar profundo e tranquilo espelhavam toda a Paz e Liberdade que regiam a sua vida.

Uma vida passada entre infindáveis florestas, com abundância de água e de alimentos, de silêncio e de espaço.

Foi um momento mágico para mim.

Identifiquei naquele ser magnífico, aquilo que eu próprio sinto quando estou a fazer as minhas aventuras pela Natureza.

Paz e Liberdade.

A Paz e a Liberdade que tanta falta nos fazem nos tempos conturbados que agora vivemos…

A rena, por fim, baixou a sua imponente cabeça sobre a água, bebeu tranquilamente uns bons goles e, passo a passo, com ar confiante e majestoso, afastou-se sem nunca voltar a cabeça para trás!

E eu, “assarapantado” por tão extraordinário encontro, fiquei por ali, agradecido por mais uma dádiva tão profunda e gratificante, como só a Natureza nos pode dar.

Ainda hoje recordo aquele olhar

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Até que as nossas vidas se cruzem nalguma montanha ou trilho, desejo que vás superando com saúde, os desafios do teu dia a dia.

Um abraço!

42 Montanhas

Recentemente um jornalista confrontou-me com o facto de eu já ter subido 42 montanhas fora de Portugal e um pouco por todo o Mundo. Confesso que fiquei um pouco surpreendido, pois não tinha ideia deste número.

Não me sinto um “coleccionador” de montanhas, sou antes um “coleccionador” de experiências!

Sei que já foram muitas as experiências por que passei, de esforço e superação perante as dificuldades, de solidariedade e entreajuda para com algum colega em apuros, de solidão e reencontro comigo mesmo, sempre que é preciso ir “ao fundo de mim próprio” buscar aquela força extra, de contemplação perante a grandiosidade e beleza das montanhas, de sucesso quando alcanço o cume e regresso são e salvo, de renúncia quando a montanha “não me autoriza” a subir, etc…
São tudo experiências que me fazem “crescer” e que vão forjando a pouco e pouco a minha maneira de ser e de viver.

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Quero continuar a subir montanhas, a atravessar desertos, a viver novas aventuras, esta é uma boa maneira de me conhecer melhor a mim próprio e ao mundo!

Mais do que números, deixa que a tua vida se vá preenchendo de boas e significativas experiências, que possam ajudar-te a chegar onde tu queres!

Até que as nossas vidas se cruzem um dia destes numa aventura, despeço-me com um abraço de amizade!

Fernando Ferreira

O Sr. Hiromu Inada

Quero contar-te a história do Sr. Hiromu Inada, um japonês de 85 anos e 11 meses que terminou, mais uma vez o Ironman do Hawai!
Considerada uma das provas de resistência mais duras do mundo, em que é preciso nadar 3,8 km em mar aberto, pedalar 180 km pelas estradas sinuosas da Ilha de Kona e correr os 42.195 metros da maratona, atrai todos os anos milhares de participantes que têm de qualificar-se para poderem participar naquela que é considerada a prova rainha de Ironman.

Pois o Sr. Hiromu, que participou pela 7ª vez nesta prova, fez jus à tradicional tenacidade nipónica, gastando 1h 51′ 26” na natação, 8h 02′ 40” na bicicleta e 6h 28′ 18” na maratona, totalizando 16h 53′ 50”, apenas, a 6′ e 10” do tempo limite de 17h para terminar a prova.
Com esta façanha, sagrou-se campeão mundial de Ironman no escalão 84-89 anos, e o homem mais idoso a terminar uma prova de Ironman.

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O Sr. Hiromu que apenas começou a praticar triatlo aos 69 anos de idade, treina cerca de 40 horas por semana, apenas descansando ao domingo, diz que gosta muito do triatlo, porque assim tem que treinar três modalidades diferentes.
No final da prova mostrou-se muito satisfeito e prometeu que para o ano irá voltar!
Um verdadeiro exemplo de superação que nos mostra que a juventude está sobretudo na nossa cabeça!
Como dizia a minha avó, ” velhos são os trapos”!

É este tipo de histórias que me inspiram a querer viver a minha VIDA, plenamente e até ao fim dos meus dia.  Até que as nossas vidas se cruzem numa aventura, desejo que desfrutes de cada dia com saúde e alegria. Um abraço!
Fernando Ferreia

Saber Renunciar!

Pontualmente, o alarme do relógio soou à uma da manhã, tal como eu o havia programado.

Desliguei-o, e pela milésima vez apurei os meus ouvidos, para perceber se a intensidade do vento tinha diminuído alguma coisa. O que é que eu faço? Tinha passado a noite em claro, alternando o calor do meu saco – cama com a necessidade de ter de me levantar para agarrar a estrutura da minha tenda, constantemente açoitada por furiosas rajadas de vento.

Estava a 6000 metros de altitude em Campo Berlim, o último acampamento antes do cume do Aconcágua a 6963 metros de altitude.

Era a 2ª noite que passava aqui, pacientemente à espera que o vento amainasse e parasse de fustigar impiedosamente a minha tenda, só se ele me desse uma trégua é que eu poderia tentar alcançar o cume da Montanha.

Decidi arriscar, sabia que ia ser difícil, que teria de enfrentar para além do vento, a altitude, que a cada passo que desse faria diminuir  a quantidade de oxigénio disponível para eu poder respirar.

Saí de dentro do saco -cama, acendi o pequeno fogão de montanhismo e comecei a derreter alguma neve que tinha armazenada num saco a um canto da tenda.

Embalado pelo ronronar monocórdio do fogão, ia avaliando as minhas possibilidades, teria de ser rápido, o que na Montanha significa ir a um passo certo, evitando ao máximo as paragens.

Comecei a vestir-me, teria de ir bem abrigado, pois a temperatura devido ao vento estava bastantes graus abaixo de zero.

Por cima da 1ª capa de roupa interior, coloquei uma outra camada de forro polar, seguida de um casaco de plumas e de umas calças de gore-tex. Calcei as minhas botas e aproveitando o calor que saia da água que tinha começado a ferver na panela, aqueci um pouco as minhas mãos.

Bebi um chá e meti um punhado de frutos secos na boca, mastigando-os calmante para melhor poder aproveitar toda a sua energia.

Em seguida enchi o cantil de plástico com o resto do chá e coloquei-o no interior do meu casaco, para assim, o manter o mais quente possível.

Era 2 da manhã quando terminei todos os preparativos e ousei sair da tenda. O 1º impacto com o ar gélido, reteve-me a respiração por breves segundos, não tinha tempo a perder, era preciso movimentar-me para começar a produzir calor e evitar entrar em hipotermia.

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Dei o 1º passo e instintivamente olhei para o cume da Montanha, a avaliar o desafio que me esperava.

Por cima dela uma lua cheia magnífica, estendia uma “luz” esbranquiçada por toda a sua face.

Continuei a caminhar, passo a passo, fustigado pelo vento que impiedoso, zumbia por entre os penedos que me rodeavam.

Caminhava curvado para impedir que aquele ar frio embatesse directamente na minha cara. Passara uma hora, duas, três, e foi então que reparei que não tinha visto ninguém sair de nenhuma das poucas tendas que estavam instaladas perto da minha.

No dia anterior tinha conversado um pouco com dois canadianos, que tal como eu também são Professores de Educação Física, boa gente, simpática e rija, ficaram surpreendidos por eu estar ali sozinho. Bem, preferia ter companhia, mas não a tendo era preciso seguir em frente.

De vez em quando parava para rodar freneticamente os meus braços, evitando que as mãos esfriassem demasiado.

A progressão tornava-se cada vez mais difícil à medida que ia subindo, o vento ao invés de amainar, subia um pouco mais de intensidade.

Mais uns passos e uma pequena paragem para beber um pouco de chá, abrigado atrás de uma rocha.

Olhei o relógio, marcava as 6 horas da manhã e estava a 6370 metros de altitude. Voltei a pôr o cantil no interior do meu casaco, comi mais uns frutos secos e retomei a marcha.

O vento cada vez mais furioso, fazia-se acompanhar de pequenos flocos de neve, que mais pareciam pequenas pedras pelo barulho que faziam ao embater no meu casaco.

Tirei da mochila o meu casaco de gore-tex, velho companheiro destas andanças, mas que só utilizo quando a coisa se põe mesmo feia!

Mais uns passos de cabeça baixa, era quase impossível olhar em frente, tal a fúria com que a nevisca se abatia sobre mim.

De vez em quando levantava a cabeça para conferir a direcção em que seguia, era quase impossível orientar-me, pois a visibilidade era nula e o cume da montanha à muito que tinha desaparecido do meu campo de visão, só existindo agora na minha memória.

Sentia-me bem fisicamente, as pernas e o coração estavam fortes, o problema era aquele vento e aquela neve, o célebre “viento blanco” tão temido pelos andinistas.

Vamos, um pouco mais, quero fazer jus a um dos meus princípios, que diz que na montanha nunca se desiste ao primeiro obstáculo, vamos mais uns passos!

Ao meu redor tudo se tornava caótico, a neve como que enlouquecida, remoinhava, e o vento fazia-me cambalear.

Estava a 6417 metros de altitude e pensei para comigo: ” Fernando, chega! Já deste o teu melhor, mais do que isto não é possível, a montanha hoje não te deixa seguir mais!”

Percebi, era a altura de renunciar, sempre achei que ser capaz de perceber e assumir o momento certo para saber dizer Não, era uma das melhoras competências que um Montanhista devia possuir! E dei meia volta!

Para baixo, agora sempre para baixo, impulsionado pelo vento que agora estava pelas minhas costas, parecia que voava, e em pouco mais de uma hora, tinha regressado à minha tenda, agora coberta por uma pequena camada de neve.

Os companheiros das outras tendas atarefavam-se a desmontá-las, olharam para mim e ficaram admirados por verem que eu tinha arriscado subir.

Todos eles iam regressar ao campo base.

Saudei-os e entrei na minha tenda, bebi o resto do chá e olhando em redor, procurei arrumar as minhas ideias. Poderia ficar mais uma noite ali à espera, mas no meu íntimo sabia que o tempo não iria melhorar.

Percebi claramente que tinha de seguir a minha intuição e não permitir que o meu ego se sobrepusesse “, amachucado” por ter de renunciar a um objectivo com que havia sonhado durante tanto tempo.

A minha segurança tinha de prevalecer e por isso mesmo comecei a arrumar as minhas coisas, o saco – cama, a colchonete, o fogão, a panela, etc…

Ia dizendo a mim próprio que, saber renunciar faz parte do percurso, e que o importante é ter a consciência que demos o nosso melhor, que nos comprometemos com o nosso objectivo, mas tudo tem um limite.

Saí e rapidamente desmontei a tenda, apesar do vento e da tempestade de neve que se tinha instalado. Meti a mochila às costas e o mais rápido que as minhas forças permitiam, saí dali, pois sabia que a cada minuto que passasse tudo se tornaria mais difícil.

O caminho tinha desaparecido debaixo daquela neve, e foi só por instinto que me orientei, primeiro até “Nido de Condores” e depois dali para baixo até ” Plaza de Mulas”, o campo base do Aconcágua.

Foram 4 horas de intenso esforço e máxima concentração, mas quando por entre a tempestade vi a 20- 30 metros de mim o colorido das tendas, pude respirar de alívio, estava em segurança!

Dias mais tarde, quando no avião que me levaria de regresso a casa, sobrevoei a montanha e a vi completamente coberta de neve, percebi que tinha tomado a melhor decisão, naquela temporada mais ninguém tinha sequer tentado subi-la, e os riscos de avalanche eram enormes.

Aprendi uma grande lição, aprendi que saber dizer não, por muito que por vezes nos custe, faz parte do caminho e é essencial para termos sucesso, que no caso do montanhismo significa regressar são e salvo.

Eu estou vivo e o Aconcágua a maior montanha da América do Sul e do Hemisfério Sul, continuará lá, à espera que eu volte a tentar, respeitosamente, chegar ao seu cume!

Jogos Olímpicos de Inverno

Começa hoje em Pyeong Chang a 23ª Edição dos Jogos Olímpicos de Inverno!

Sempre gostei muito dos Jogos Olímpicos, lembro-me se ser menino e ficar horas em frente à televisão, ainda a preto e branco, embevecido a apreciar os desempenhos daqueles(as) magníficos(as) Atletas.

Depois quando a transmissão acabava, eram poucas as horas que a nossa televisão dedicava aos Jogos Olímpicos, vinha para a rua e desafiava os meus amigos a reproduzirmos as provas que via.

Corríamos os 100 metros, os 1500 metros e até os 10.000 metros, tudo de seguida, em voltas intermináveis por entre as oliveiras onde habitualmente brincávamos, fazíamos o salto em altura e em comprimento, e tudo aquilo que a nossa imaginação permitia e alcançava. Bons tempos!

Já jovem, a minha paixão pelo desporto acentuou-se, ao ponto de a transformar na minha profissão!

Só mais tarde descobri os Jogos Olímpicos de Inverno, e em 1994 quando estive em Chamonix pela primeira vez para subir ao Monte Branco (4807 m), visitei as instalações que ainda restam dos primeiros Jogos Olímpicos de Inverno, que se realizaram nesta cidade no já longínquo ano de 1924.

Impressionou-me particularmente o velho trampolim de madeira onde se realizaram os saltos.

Desde então, acompanho o mais possível esta grande festa do desporto, que apesar de tantas vicissitudes politicas, continua a ser um espaço nobre de convívio e superação desportiva entre todos os povos.

E agora chegou a altura de te revelar um segredo:

Desta vez, tentei fazer parte desta grande festa, não como espectador, mas como Atleta!

Já te falei noutras ocasiões do meu gosto pelo Ski de Fundo, que utilizo sempre que posso, como forma de me preparar para os meus desafios, pois não é que em finais de Novembro do ano passado, decidi que iria tentar o apuramento para estes Jogos, nos 15 quilómetros estilo livre (skating) em ski de fundo?

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Parece mentira mas é verdade!

O apuramento para uns Jogos Olímpicos é o grande objectivo da carreira de muitos atletas, que levam anos a preparar-se para isso, apesar de tudo, achei que devia  tentar!

Alterei de imediato o meu plano de treino mais vocacionado para distâncias longas, que me permitem estar muitas horas seguidas em actividade, coisa que para esta prova não se justificava, visto os 15 quilómetros terem no meu caso uma duração prevista entre 40/45′.

Não foi fácil  passar a treinar de formar diferente, mas tal como noutras ocasiões, o meu corpo não me deixou ficar mal, e pouco a pouco foi assumindo as novas “directrizes”, tornando-se mais rápido e ágil.

Como não tinha neve à minha disposição, os treinos específicos foram feitos em patins de linha, em ciclovias e a horas pouco convidativas, para fugir aos peões e me ir habituando ao fuso horário da Coreia do Sul.

Andava entusiasmado!

Era um novo desafio, e como gosto de treinar, tudo corria às mil maravilhas!

Só que era preciso fazer no estrangeiro uma ou duas provas de apuramento até ao dia 21 e Janeiro de 2018. Contactei a Federação Portuguesa de Desportos de Inverno  que me deu todas as informações necessárias, mas que manifestou a impossibilidade de me ajudar financeiramente para poder participar nas referidas provas.

Bom, sem o apoio da FPDI  não podia inscrever-me, e sem me inscrever, não podia participar nas provas!

Foi difícil aceitar, mas tinha de renunciar a este objectivo, e no dia 20 de Janeiro interrompi este projecto.

Confesso que seria muito difícil apurar-me, mas estava a fazer todos os possíveis para que isso acontecesse.

Para mim ficará sempre na memória o entusiasmo que dediquei a esta causa, todo o treino que fiz e que me obrigou literalmente a percorrer caminhos desconhecidos, orgulho-me de ser capaz de sonhar e lutar por objectivos difíceis de alcançar, e sobretudo, confirmei mais uma vez que a vida tem mais sentido quando o nosso entusiasmo e a nossa paixão nos empurram na direcção daquilo que verdadeiramente SOMOS!

Fica o testemunho, ficam as memórias, outros desafios se seguirão!

E agora toca a desfrutar, o SHOW vai começar!

Um VIVA aos Jogos Olímpicos, sobretudo aos de Inverno, sobretudo aos de Pyeong Chang, onde não estando fisicamente, estarei de ALMA e CORAÇÃO!

O Legado de Terry Fox

A história que quero partilhar contigo, é uma das mais inspiradoras que conheço, e não raras vezes recorro a ela para me auto – motivar na superação dos meus desafios pessoais.

Terrance Stanley Fox, mais conhecido por Terry Fox, era um jovem canadiano, nascido em Winnipeg a 28 de Julho de 1958, desde pequeno que Terry mostrava muita paixão pelo desporto, em particular pelo Basquetebol e pela corrida.

Apesar de medir apenas 1,73 metros de altura, não se amedrontava perante os “gigantes” das outras equipas e compensava a sua baixa estatura com uma grande determinação e entrega nos treinos, ganhando a admiração dos seus colegas.

No entanto, tudo mudou naquela tarde de 12 de Novembro de 1976, quando embateu com o carro que conduzia em direcção ao treino, na traseira de uma camião.

Apesar do susto, Terry apenas ficou com uma pequena dor no joelho direito, o que nem sequer o impediu de apanhar um autocarro e marcar presença em mais um treino da sua equipa, como tanto gostava!

Os dias passavam ,e aquela dor a que não tinha dado grande importância não cedia, apesar dos tratamentos caseiros e dos analgésicos que começou a tomar.

No dia 1 de Março de 1977, Terry ,depois de dar 7 voltas a correr na pista de Atletismo da sua Escola, teve de parar, tinha o joelho muito inchado e mal conseguia andar.

Decidiu ir ao médico!

Três dias mais tarde, o médico anunciou-lhe sem dúvidas nenhumas, que tinha um osteosarcoma, um cancro nos ossos que atinge sobretudo crianças e adolescentes.

Devastado com o diagnóstico mas com a coragem de sempre, Terry foi sujeito a uma operação 5 dias depois, onde lhe amputaram a perna direita acima do joelho, tendo  os médicos pensado que o cancro estava controlado.

Quando acordou, e ainda sonolento da anestesia, perguntou a si mesmo quando é que poderia voltar a andar.

Recorrendo ao seu carácter lutador e à sua coragem inabalável, encetou uma recuperação impressionante que deixou todas as pessoas admiradas.

Experimentou a 1ª prótese 3 semanas depois de ter sido operado, e 3 semanas mais tarde, já conseguia caminhar o suficiente para poder participar em jogos de mini-golfe.

Trabalhou no fortalecimento de todo o corpo e decidiu começar a correr, desafiando-se a si mesmo!

Na 1ª corrida de 100 metros em que participou, ao tiro de partida, Terry saiu o mais rápido que podia, mas ainda não tinha percorrido 10 metros e já a sua prótese se tinha partido pelo joelho!

Este insucesso, ao invés de derrotá-lo, deu-lhe ainda mais forças para continuar, levando-o a procurar melhorar a sua prótese, que não chegava sequer aos “calcanhares” das actualmente utilizadas  pelos velocistas e maratonistas.

Terry  era um lutador incansável, e na sua cabeça foi nascendo a ideia de atravessar todo o Canadá a correr, como forma de angariar fundos para ajudar a pesquisar formas de luta contra o cancro!

Durante um ano  treinou arduamente, participando inclusive numa prova de 27 quilómetros, que completou em 3 horas e 9 minutos  ficando na última posição.

Decidido a concretizar o seu projecto a que chamou de Maratona da Esperança, angariou apoios, uma carrinha de apoio que seria conduzida por um amigo, algum material desportivo e ajuda financeira para o combustível.

Até que finalmente o grande dia chegou, e a 12 de Abril de 1980, Terry partiu de St. John´s na Terra Nova, junto ao Oceano Atlântico, de onde encheu duas garrafas de água que pretendia despejar no Oceano Pacífico, quando terminasse a sua jornada  7250 quilómetros mais à frente!

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Durante 143 dias  Terry não parou, percorrendo mais de 5000 quilómetros a uma média de 40 quilómetros por dia!

A sua determinação, coragem e espírito de missão, permitiram-lhe ultrapassar o cansaço e a fadiga, fazendo com que a cada dia que passava a sua mensagem chegasse mais longe, empolgando as pessoas de um País inteiro, que no final de cada etapa, faziam fila para contribuir financeiramente para tão nobre causa.

Ninguém ficava indiferente a este gesto sobre-humano.

Tiveram vários percalços, num deles um camião abalroou a comitiva, ferindo várias pessoas e não matando Terry Fox por pouco.

Até que no dia 1 de Setembro de 1980, em Thunder Bay, Ontário, com 5373 quilómetros percorridos, Terry foi forçado a parar, o cancro tinha atingido os seus pulmões!

Dias antes, tinha dito que se não pudesse terminar esta tarefa, outros teriam que a fazer por ele, pois esta causa tinha de prosseguir o seu caminho!

Terry lutou tenazmente contra a doença durante quase um ano, até que faleceu no dia 28 de Junho de 1981, um mês antes de completar 23 anos.

Quando foi obrigado a parar, muitos quiseram terminar a tarefa por ele, o que recusou, na esperança de ainda poder completar o caminho por si mesmo! No entanto, quando verificou que isso já não seria possível, incentivou a realização de outras corridas como forma de angariação de fundos.

A sua vontade foi cumprida, e a 13 de Setembro de 1981 foi realizada a 1ª corrida Terry Fox, reunindo 300 mil participantes  em mais de 700 localidades, o que permitiu arrecadar 3,5 milhões de US$.

Hoje, a Fundação Terry Fox  realiza corridas em todo o mundo e já arrecadou centenas de milhões de dólares para projectos de combate ao cancro.

Em Portugal esta corrida realiza-se todos os anos no Parque das Nações, na distância de 10 quilómetros, estando a próxima agendada para o dia 21 de Abril, ás 10 horas da manhã, e revertendo a receita para a sua Fundação.

Pela minha parte, todos os anos procuro participar, é a minha modesta contribuição para uma causa tão grandiosa!

Terry, foi escolhido por todos os Canadianos, como a personagem mais famosa do século XX e a 2ª mais importante da história do País.

Existem estátuas e bustos seus por muitos lugares, várias ruas,  parques e escolas com o seu nome, perpetuando o seu legado e reforçando os valores que defendia.

Para mim, o espírito de Terry Fox permanece bem vivo e inspira-me sempre a dar o meu melhor.

Foi um grande exemplo de coragem e determinação em prol de uma causa, que abraçou e soube transformar na missão da sua vida!

 

Uma Aventura no Equador

Uma das razões porque gosto tanto de viajar, é a oportunidade de conhecer novas pessoas, novos lugares, novas culturas.

Viajar é uma boa maneira de te renovares, de alargares os teus horizontes, de te conheceres melhor a ti próprio(a).

Nenhuma das viagens que fiz até hoje me defraudou as expectativas, talvez porque em todas elas procurei sempre o lado diferente, o lado pitoresco e único que ela me podia oferecer.

É verdade que tenho um fascínio especial por viajar em sítios remotos da China, do Nepal, do Kirguistão, do Peru, do Equador, da Argentina, da Rússia, de Marrocos e de tantos outros  países.

Estas viagens fazem-me descobrir novas facetas de mim próprio, porque me obrigam a sair da minha zona de conforto, transportando-me literalmente para o desconhecido.

Embora já tenha feito viagens bastante “intensas” para sítios bastante inseguros, nunca senti medo ao ponto de entrar em pânico e me sentir verdadeiramente ameaçado.

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Recordo uma ocasião em 1998 no Equador, em que ,depois de ter sido o 1º Português a subir ao Cotopaxi, o vulcão activo mais alto do mundo com 5895 metros de altitude, decidi ir até à floresta Amazónica pelo lado Equatoriano.

É sempre uma verdadeira aventura viajar pelas “estradas” remotas da América do Sul.

Neste caso concreto “apanhei” um velho autocarro na cidade de Riobamba, que após várias paragens e 16 horas de viagem, me levou até Puerto Misahualy, uma aldeia remota já na Amazónia, onde a estrada termina e começam os rios, que só de piroga e lancha é possível percorrer.

A “estrada” com o nome pomposo de Transamericana, era por esta altura um mero estradão de terra e lama, que sulcava as montanhas a meia encosta.

De um lado corria sempre um rio tumultuoso que 100 ou 200 metros mais abaixo, ameaçava com as suas águas escuras e revoltas.

Do outro lado estávamos “protegidos” por uma escarpa a perder de vista, de onde de vez em quando caía um pedregulho do tamanho de um carro e que bloqueava a estrada!

Valia-nos uma velha escavadora que viajava à nossa frente, e que diligentemente ia afastando as pedras do caminho, permitindo a nossa passagem!

Em dada ocasião e após um solavanco mais violento, uma senhora que viajava ao meu lado ficou sem conseguir respirar, atrapalhado e sem saber o que fazer, chamei pelo condutor, que com um ar enfadado, parou o autocarro, levantou-se, e dirigindo-se à senhora pegou-lhe pelas axilas e deu-lhe um esticão, levantando-a no ar.

Foi remédio santo, como que regressada do mundo dos mortos, a senhora recobrou o fôlego, permitindo ao condutor regressar ao seu posto, com o ar entendido de quem pela centésima vez, pelos mesmos motivos e com os mesmos métodos, tinha salvo a vida de alguém!

A dada altura, entra no autocarro um passageiro transportando uma caixa de madeira, de onde poucos minutos depois retira uma enorme cobra piton albina, mais conhecida nestas paragens  por “matacaballos”, por ter a capacidade de “abraçando-se” ao ventre de um cavalo, o apertar até à morte por estrangulamento!

Este homem vendia uma pomada para os ossos e articulações, a autêntica banha da cobra, então para que não restassem dúvidas, fazia questão de trazer um exemplar de onde esta “mezinha” milagrosa era retirada!

A cobra que seguia pendurada aos seus ombros, passeava a sua bonita cabeça por cima dos passageiros sentados.

Por entre estas e outras peripécias lá fomos continuando “estrada” fora, solavanco aqui, paragem acolá, até que do velho e ruidoso motor, começou a sair um fumo branco que não augurava nada de bom! Pela enésima vez parámos, e curioso pela demora do condutor, decidi sair para ver o que se passava, e em boa hora o fiz, pois o pobre homem cansado e frustrado por tanta contrariedade, tentava sem sucesso, “emborcar” uns quantos litros de óleo no fatigado motor!

Dei-lhe uma “mãozinha”, que ele agradeceu genuinamente dando-me uma palmada com a sua mão  suja de óleo nas minhas costas!

Não me chateei, pelo contrário, satisfeito por ter sido útil, sorri-lhe e devolvi-lhe na mesma moeda, como só velhos companheiros de jornada sabem fazer! Seguimos viagem!

Entretanto a noite caiu, e com ela o espectáculo maravilhoso de percorrer aqueles últimos kilómetros por entre uma floresta densa, repleta de vida e de mistério.

Talvez por termos perturbado o seu descanso, as aves faziam um barulho infernal, na berma da estrada víamos pares de olhos luminosos que “à cautela” nos espiavam!

Que animais seriam? Não sei responder, mas eram certamente muitos e variados!

Devagar lá fomos continuando, e quando voltou a ser necessário efectuar outra paragem para reabastecimento de óleo no motor, o condutor com um gesto da cabeça, convocou-me para o ajudar.

Orgulhoso por tão honroso convite, levantei-me tão ligeiro quanto o cansaço me permitia, e ajudei-o a “reanimar” o pobre motor.

Finalmente chegámos a Puerto Misahualy!

Apesar do tardio da hora de chegada, os poucos habitantes ao ouvirem o ronco ofegante do autocarro, acenderam os seus candeeiros a petróleo e vieram receber-nos na praça central.

Nesta praça  existia uma  árvore enorme,  de onde para meu espanto, desceram dezenas de pequenos macacos que matreiros e espertos, tentavam roubar alguma coisa para comer!

Reencontraram-se familiares, que pela forma efusiva como se abraçavam, há muito que não se viam.

Descarregaram-se as bagagens, caixas, cestas, caixotes, que tanto fizeram sofrer o velho mas tenaz autocarro, e por fim, quando todos se foram embora para o interior das suas humildes casas, fiquei sozinho com a minha mochila e com o condutor do autocarro.

Ofereceu-me uma cerveja que  retirou de uma caixa com gelo,  como que a comemorar o “êxito” desta épica viagem.

Mais tarde,  cansado  desta aventura, afastei-me para longe, indo estender o meu colchão de montanhismo junto a uma árvore, deitei a cabeça na mochila e olhando aquele céu imenso povoado de incontáveis estrelas, esperei pelo amanhecer, e pela oportunidade de seguir a minha viagem e viver novas aventuras, desta vez de piroga rio abaixo, cada vez mais fundo nessa maravilhosa e indescritível Amazónia!

Nesta viagem da qual contei um pequeno trecho, aprendi grandes lições,  entre elas a  de sabermos valorizar as coisas simples, de termos a capacidade para das contrariedades conseguirmos retirar  coisas positivas, pois só assim independentemente das circunstâncias que nos rodeiam, podemos continuar a desfrutar da Vida em todo o seu Esplendor! 

UMA AVENTURA NO JURA

Gosto  muito de fazer ski de fundo, esta paixão já vem de longe, desde 1995, altura em que um colega de Educação Física Francês, o Xavier, me convidou para fazer a travessia do Jura em ski de fundo.

Já conhecia o Xavier desde 1993, ano em que o recebi a ele e a alguns alunos seus aqui em Portugal, para em conjunto comigo e alguns dos meus alunos, efectuarmos um estágio de escalada na Serra de Sintra e da Arrábida.

Foi uma actividade muito intensa e engraçada, da qual me recordo muitas vezes.

Mas voltando ao ski de fundo, assim que ouvi o convite do Xavier, não hesitei! E sem pensar duas vezes, aceitei de imediato!

O Jura é uma região situada entre a Suiça e a França, e a actividade consistia em percorrer cerca de 220 kms, em regime de auto-suficiência em cima de uns esquis de que para quem não sabe são bastante mais estreitos que os de ski de pista.

Fiquei empolgado perante a perspectiva de uma aventura a sério, só existia um problema, eu nunca tinha feito ski de fundo!

Bom, não seria com certeza esse “pequeno” pormenor que me afastaria de ir.

Continuei o meu treino aqui em Portugal, tratei da viagem e no inicio de Fevereiro, lá fui eu para Paris ao encontro dos meus colegas de expedição, o Xavier  e outro francês e dois companheiros Ingleses.

Aluguei umas botas e uns esquis em Paris, na loja da Vieux Campeur, e lá fomos nós numa carrinha em direcção a Bellecombe, ponto de partida desta aventura.

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Mochila ás costas, a minha com cerca de 30 quilos, ski nos pés e lá vamos nós rumo à aventura!

Os meus primeiros kms serviram para aprender os movimentos de técnica de esquiar, que para espanto meu e dos meus colegas, facilmente adquiri!

Aquele inverno estava a ser muito rigoroso, tinha nevado muito, e a temperatura nunca subia acima dos -10º negativos, mesmo de dia!

Fazíamos cerca de 30 kms diários por meio de floresta de cedros e abetos, orientando-nos por uma carta e uma bússola que guardávamos religiosamente nos bolsos dos nossos casacos, pois sem elas a nossa sobrevivência estaria comprometida.

A meio do dia, fazíamos sempre uma paragem de 1 hora, para descansar e comer alguma coisa e depois lá seguíamos nós abrindo caminho por entre quantidades monstruosas de neve.

Subíamos e descíamos continuamente, ás vezes as descidas por neve virgem não eram mais do que quedas controladas, até que um dia  alcançámos o ponto mais alto do Jura a Crete de la Neije com 1718 metros de altitude.

Lembro-me de estar sentado em cima da mochila a contemplar  a maravilhosa paisagem que se abria perante os meus olhos, o lago Leman, o Monte Branco com o seu cume resplandecente e onde eu havia estado no ano anterior. Estava extasiado e todos os muitos esforços despendidos para ali chegar, tinham merecido a pena.

No cume de uma Montanha moram sempre a paz e a tranquilidade para quem ousa lá chegar.

Chegávamos ao final de cada dia exaustos, montávamos a tenda no meio da neve, derretíamos alguma dentro das nossas caçarolas para preparar chá e uma sopa e metiamo-nos dentro do saco de cama, preparados para suportar os  20º negativos que a noite nos traria.

Atento ao silêncio e aos sons próprios dos grandes espaços selvagens, tentava aquecer-me até que naturalmente os meus olhos se fechavam, vencidos pelo cansaço da jornada.

Com as primeiras claridades da madrugada acordávamos e repetíamos a rotina, derreter água, beber um chá e uma sopa, comer alguns frutos secos, vestir a roupa de abrigo, calçar as botas de ski, desmontar a tenda ainda gelada, fazer a mochila, colocar os skis  e continuar a marcha rapidamente para nos aquecermos.

Foram dias duros mas muito gratificantes, que me ajudaram a  forjar o meu carácter de montanheiro determinado.

Os obstáculos tornam-nos sempre mais fortes!

Quando ao fim de oito dias de esforço e solidão, avistámos as casas da aldeia onde finalizava a nossa viagem, senti que tinha acabado de fazer uma coisa que jamais iria esquecer, por tudo o que tinha sido obrigado a ir buscar dentro de mim, em esforço e determinação.

Nesse dia ao jantar, finalmente livres da tirania das sopas em pacote, pudemos dar largas ao nosso apetite voraz! Que no meu caso foi atenuado por dois magníficos bitoques, regados com um copo de vinho tinto, com o qual comemoramos os cinco, tão inesquecível aventura!

Hoje à distância de todos estes anos, orgulho-me de mesmo sem saber o que me esperava, ter tido a coragem e a ousadia de caminhar rumo ao desconhecido, sem essa atitude não teria vivido esta bela aventura.

A paixão pelo ski de fundo perdura até aos dias de hoje, e assim que os primeiros flocos de neve caiem, lá vou eu para os Pirinéus ou para a nossa Serra da Estrela, desfrutar de uma actividade que me faz sentir bem, que me revigora o corpo e a alma.

Gosto tanto do ski de fundo, que em breve terei noticias para te dar!

Até que os nossos destinos se cruzem, a fazer ski de fundo ou a subir uma Montanha, desejo que vás superando com coragem e ousadia os teus desafios pessoais.

UM ABRAÇO!

 

 

A MARATONA E A VIDA

No domingo passado corri mais uma maratona, a de Lisboa.

Ao longo do ano vou participando nalgumas corridas de longa distância, é uma maneira de estar preparado para as aventuras que vão surgindo.

Do meu treino “útil”, faz parte a capacidade de a qualquer altura e em qualquer lugar, ser capaz de correr durante muitas horas.

E assim foi, no sábado inscrevi-me, e no domingo lá estava eu na linha de partida, com as pernas ainda doridas do treino que havia efectuado na sexta-feira anterior.

Para mim, correr uma longa distância é como fazer um filme sobre a própria vida, é sempre uma aventura!

Dada a partida, é essencial escolhermos o ritmo que melhor nos convém, ignorando o modo como as outras centenas de corredores que nos rodeiam, querem seguir o seu caminho.

Somos nós que escolhemos como queremos conduzir a nossa corrida e já agora, a nossa própria vida!

À medida que os quilómetros vão passando, é muito importante irmos  “escutando” o nosso corpo, irmos percebendo se aquele é o ritmo certo, se aquela passada é a adequada à concretização do nosso objectivo, terminar em beleza os 42,195 metros da maratona.

Cada vez que passava por um abastecimento que um(a) jovem de cara alegre nos oferecia,aceitava e agradecia, retribuindo-lhe a sua amabilidade com o meu sorriso.

À passagem pelas bandas de música que animavam o caminho, cantava, divertia-me, e desta forma sacudia por momentos, o peso de tão longa jornada.

Quantas e quantas vezes na nossa vida, perdemos a oportunidade de descontrair, não oferecendo a nós próprios os momentos de diversão que merecemos!

Inclusive, aos primeiros acordes de “knocking on heaven`s door”, um original de Bob Dylan, emocionei-me ao recordar um amigo já desaparecido, com quem tocava esta música. Redobrei de ânimo!

Os quilómetros iam passando, as sensações eram boas, estava a desfrutar de tudo, da paisagem, dos aplausos das pessoas, e do meu próprio desempenho.

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Não compito contra nada, nem contra ninguém.

Ás vezes oiço dizer a outras pessoas, que competem contra si próprios, contra o percurso, contra os outros, não é isso que se passa comigo, os outros para mim são apenas companheiros de jornada, que não hesito em ajudar se tal for necessário.

Não compito contra o percurso, desfruto dele e muito menos contra mim próprio, pois sei que a jornada deve ser feita não contra mim, mas comigo próprio, com a minha consciência, as minhas emoções, o meu corpo, tudo em harmonia.

Com o acumular dos quilómetros e da fadiga, aparece um ou outro momento menos bom, que é preciso enfrentar com fé e determinação, sabendo que somos capazes, que tudo irá passar, que a meta está cada vez mais próxima!

Com estes pensamentos voltamos a focar-nos no que é essencial, voltamos a escutar o nosso corpo, e afinamo-lo com o nosso propósito, passada após passada.

Nos últimos quilómetros já não existe o calor dos aplausos, a paisagem deixa de ser bonita, não interessa, temo-nos a nós próprios, ao nosso ânimo, à nossa generosidade, ao nosso querer, e continuamos em frente!

Por fim, meta à vista! Sem querer estugamos o passo, agradecemos os últimos aplausos e satisfeitos, cruzamos a meta, de sorriso na cara!

Mais do que olhar para o relógio, fica o orgulho de terminar mais uma maratona sem ter precisado de andar.

Agora é hora de celebrar! A vida deve ser comemorada em todas as oportunidades, por mais pequenas e banais que sejam!

Vamos a isso! De roupa mudada e em boa companhia  sento-me numa esplanada, e erguendo o meu copo de cerveja, brindo a todos os companheiros e companheiras, que naquela manhã solarenga ousaram sair da sua zona de conforto, e dando o melhor de si próprios, terminaram a Maratona.

Todos saíram vitoriosos!

O SEGREDO DAS COISAS SIMPLES

Relembro as minhas primeiras expedições, em que carregava literalmente coisas inúteis, na ilusão e no receio de que me pudessem vir a fazer falta.

Lembro-me de por exemplo, em 1989, ano em que comecei a aventurar-me nestas andanças do montanhismo, na primeira atividade que realizei na Serra da Estrela, ter carregado durante dois dias uma quantidade de roupa desnecessária, tinha medo de passar frio, pois estávamos em pleno mês de Março.

O colega que partilhou comigo essa aventura, depois de me ver arrastar durante dois dias sob o peso de uma enorme mochila, perguntou-me porque é que tinha levado tanta roupa, se alguma dela não tinha chegado sequer a utilizar?

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Fiquei a pensar nisso e desde então, quando comecei a levar os meus próprios grupos para a montanha, não deixei que eles passassem por essa experiência.

Falamos previamente sobre o frio e outras situações em que as pessoas se podem sentir desconfortáveis, e quando começamos a subir já vão devidamente preparados para as condições climatéricas que poderão vir a encontrar, e qual a melhor maneira de se equiparem para lhes fazer frente.

Na montanha, tal como na vida, devemos “equipar-nos” apenas com o que é essencial para a “jornada”, temos de saber “largar” o que não interessa para que a nossa subida se torne mais prazerosa, e possamos desfrutar plenamente, das coisas gratificantes que a montanha tem para nos oferecer.

Até que as nossas vidas se cruzem numa qualquer montanha, desejo que superes com paixão os teus desafios.