42 Montanhas

Recentemente um jornalista confrontou-me com o facto de eu já ter subido 42 montanhas fora de Portugal e um pouco por todo o Mundo. Confesso que fiquei um pouco surpreendido, pois não tinha ideia deste número.

Não me sinto um “coleccionador” de montanhas, sou antes um “coleccionador” de experiências!

Sei que já foram muitas as experiências por que passei, de esforço e superação perante as dificuldades, de solidariedade e entreajuda para com algum colega em apuros, de solidão e reencontro comigo mesmo, sempre que é preciso ir “ao fundo de mim próprio” buscar aquela força extra, de contemplação perante a grandiosidade e beleza das montanhas, de sucesso quando alcanço o cume e regresso são e salvo, de renúncia quando a montanha “não me autoriza” a subir, etc…
São tudo experiências que me fazem “crescer” e que vão forjando a pouco e pouco a minha maneira de ser e de viver.

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Quero continuar a subir montanhas, a atravessar desertos, a viver novas aventuras, esta é uma boa maneira de me conhecer melhor a mim próprio e ao mundo!

Mais do que números, deixa que a tua vida se vá preenchendo de boas e significativas experiências, que possam ajudar-te a chegar onde tu queres!

Até que as nossas vidas se cruzem um dia destes numa aventura, despeço-me com um abraço de amizade!

Fernando Ferreira

Entrevista na RTP1

Olá amigos, no passado dia 27 de Setembro, dei uma entrevista no programa da Tânia Ribas de Oliveira, “A Nossa Tarde”, na RTP1.

Recebi muitos agradecimentos e comentários simpáticos, alguns dizendo que foi pouco tempo para tantas histórias e vivências que tenho para partilhar, outros elogiando todas as aventuras por que já passei!

Foram 10 minutos apenas, mas 10 minutos de grande intensidade em que fui igual a mim próprio, com muita vontade de partilhar e dar um pouco de mim a todos os que assistiram.
Desfrutei muito e penso que quem viu programa não deu o seu tempo por mal empregue.

Como podes não ter tido a oportunidade de assistires em directo, ou se queres rever esse momento, aqui vai o link, https://www.rtp.pt/play/p5720/e430124/a-nossa-tarde/772566

Podes avançar até ao minuto 30, altura em que começa a entrevista. Espero que gostes!

Mais aventuras aqui Uma Aventura no Equador

Até que a nossa vida se cruze numa qualquer montanha despeço-me com um abraço de amizade.
Fernando Ferreira

Saber Renunciar!

Pontualmente, o alarme do relógio soou à uma da manhã, tal como eu o havia programado.

Desliguei-o, e pela milésima vez apurei os meus ouvidos, para perceber se a intensidade do vento tinha diminuído alguma coisa. O que é que eu faço? Tinha passado a noite em claro, alternando o calor do meu saco – cama com a necessidade de ter de me levantar para agarrar a estrutura da minha tenda, constantemente açoitada por furiosas rajadas de vento.

Estava a 6000 metros de altitude em Campo Berlim, o último acampamento antes do cume do Aconcágua a 6963 metros de altitude.

Era a 2ª noite que passava aqui, pacientemente à espera que o vento amainasse e parasse de fustigar impiedosamente a minha tenda, só se ele me desse uma trégua é que eu poderia tentar alcançar o cume da Montanha.

Decidi arriscar, sabia que ia ser difícil, que teria de enfrentar para além do vento, a altitude, que a cada passo que desse faria diminuir  a quantidade de oxigénio disponível para eu poder respirar.

Saí de dentro do saco -cama, acendi o pequeno fogão de montanhismo e comecei a derreter alguma neve que tinha armazenada num saco a um canto da tenda.

Embalado pelo ronronar monocórdio do fogão, ia avaliando as minhas possibilidades, teria de ser rápido, o que na Montanha significa ir a um passo certo, evitando ao máximo as paragens.

Comecei a vestir-me, teria de ir bem abrigado, pois a temperatura devido ao vento estava bastantes graus abaixo de zero.

Por cima da 1ª capa de roupa interior, coloquei uma outra camada de forro polar, seguida de um casaco de plumas e de umas calças de gore-tex. Calcei as minhas botas e aproveitando o calor que saia da água que tinha começado a ferver na panela, aqueci um pouco as minhas mãos.

Bebi um chá e meti um punhado de frutos secos na boca, mastigando-os calmante para melhor poder aproveitar toda a sua energia.

Em seguida enchi o cantil de plástico com o resto do chá e coloquei-o no interior do meu casaco, para assim, o manter o mais quente possível.

Era 2 da manhã quando terminei todos os preparativos e ousei sair da tenda. O 1º impacto com o ar gélido, reteve-me a respiração por breves segundos, não tinha tempo a perder, era preciso movimentar-me para começar a produzir calor e evitar entrar em hipotermia.

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Dei o 1º passo e instintivamente olhei para o cume da Montanha, a avaliar o desafio que me esperava.

Por cima dela uma lua cheia magnífica, estendia uma “luz” esbranquiçada por toda a sua face.

Continuei a caminhar, passo a passo, fustigado pelo vento que impiedoso, zumbia por entre os penedos que me rodeavam.

Caminhava curvado para impedir que aquele ar frio embatesse directamente na minha cara. Passara uma hora, duas, três, e foi então que reparei que não tinha visto ninguém sair de nenhuma das poucas tendas que estavam instaladas perto da minha.

No dia anterior tinha conversado um pouco com dois canadianos, que tal como eu também são Professores de Educação Física, boa gente, simpática e rija, ficaram surpreendidos por eu estar ali sozinho. Bem, preferia ter companhia, mas não a tendo era preciso seguir em frente.

De vez em quando parava para rodar freneticamente os meus braços, evitando que as mãos esfriassem demasiado.

A progressão tornava-se cada vez mais difícil à medida que ia subindo, o vento ao invés de amainar, subia um pouco mais de intensidade.

Mais uns passos e uma pequena paragem para beber um pouco de chá, abrigado atrás de uma rocha.

Olhei o relógio, marcava as 6 horas da manhã e estava a 6370 metros de altitude. Voltei a pôr o cantil no interior do meu casaco, comi mais uns frutos secos e retomei a marcha.

O vento cada vez mais furioso, fazia-se acompanhar de pequenos flocos de neve, que mais pareciam pequenas pedras pelo barulho que faziam ao embater no meu casaco.

Tirei da mochila o meu casaco de gore-tex, velho companheiro destas andanças, mas que só utilizo quando a coisa se põe mesmo feia!

Mais uns passos de cabeça baixa, era quase impossível olhar em frente, tal a fúria com que a nevisca se abatia sobre mim.

De vez em quando levantava a cabeça para conferir a direcção em que seguia, era quase impossível orientar-me, pois a visibilidade era nula e o cume da montanha à muito que tinha desaparecido do meu campo de visão, só existindo agora na minha memória.

Sentia-me bem fisicamente, as pernas e o coração estavam fortes, o problema era aquele vento e aquela neve, o célebre “viento blanco” tão temido pelos andinistas.

Vamos, um pouco mais, quero fazer jus a um dos meus princípios, que diz que na montanha nunca se desiste ao primeiro obstáculo, vamos mais uns passos!

Ao meu redor tudo se tornava caótico, a neve como que enlouquecida, remoinhava, e o vento fazia-me cambalear.

Estava a 6417 metros de altitude e pensei para comigo: ” Fernando, chega! Já deste o teu melhor, mais do que isto não é possível, a montanha hoje não te deixa seguir mais!”

Percebi, era a altura de renunciar, sempre achei que ser capaz de perceber e assumir o momento certo para saber dizer Não, era uma das melhoras competências que um Montanhista devia possuir! E dei meia volta!

Para baixo, agora sempre para baixo, impulsionado pelo vento que agora estava pelas minhas costas, parecia que voava, e em pouco mais de uma hora, tinha regressado à minha tenda, agora coberta por uma pequena camada de neve.

Os companheiros das outras tendas atarefavam-se a desmontá-las, olharam para mim e ficaram admirados por verem que eu tinha arriscado subir.

Todos eles iam regressar ao campo base.

Saudei-os e entrei na minha tenda, bebi o resto do chá e olhando em redor, procurei arrumar as minhas ideias. Poderia ficar mais uma noite ali à espera, mas no meu íntimo sabia que o tempo não iria melhorar.

Percebi claramente que tinha de seguir a minha intuição e não permitir que o meu ego se sobrepusesse “, amachucado” por ter de renunciar a um objectivo com que havia sonhado durante tanto tempo.

A minha segurança tinha de prevalecer e por isso mesmo comecei a arrumar as minhas coisas, o saco – cama, a colchonete, o fogão, a panela, etc…

Ia dizendo a mim próprio que, saber renunciar faz parte do percurso, e que o importante é ter a consciência que demos o nosso melhor, que nos comprometemos com o nosso objectivo, mas tudo tem um limite.

Saí e rapidamente desmontei a tenda, apesar do vento e da tempestade de neve que se tinha instalado. Meti a mochila às costas e o mais rápido que as minhas forças permitiam, saí dali, pois sabia que a cada minuto que passasse tudo se tornaria mais difícil.

O caminho tinha desaparecido debaixo daquela neve, e foi só por instinto que me orientei, primeiro até “Nido de Condores” e depois dali para baixo até ” Plaza de Mulas”, o campo base do Aconcágua.

Foram 4 horas de intenso esforço e máxima concentração, mas quando por entre a tempestade vi a 20- 30 metros de mim o colorido das tendas, pude respirar de alívio, estava em segurança!

Dias mais tarde, quando no avião que me levaria de regresso a casa, sobrevoei a montanha e a vi completamente coberta de neve, percebi que tinha tomado a melhor decisão, naquela temporada mais ninguém tinha sequer tentado subi-la, e os riscos de avalanche eram enormes.

Aprendi uma grande lição, aprendi que saber dizer não, por muito que por vezes nos custe, faz parte do caminho e é essencial para termos sucesso, que no caso do montanhismo significa regressar são e salvo.

Eu estou vivo e o Aconcágua a maior montanha da América do Sul e do Hemisfério Sul, continuará lá, à espera que eu volte a tentar, respeitosamente, chegar ao seu cume!

A Alma da Corda

Acredito que temos uma alma com funções idênticas à das cordas do montanhismo, que mais não é do que a nossa autenticidade, que nos permite resistir a todas as adversidades, e seguir imparáveis na perseguição dos nossos sonhos.

Gosto de rever as antigas fotografias dos pioneiros do Montanhismo, desses homens e mulheres que à custa de muita coragem e determinação, mostraram ao mundo locais até então desconhecidos.

Reparo nas suas toscas indumentárias, e salta-me à vista as cordas que então usavam, rijas, ásperas, pesadas e pouco resistentes.

Tiveram a capacidade de improvisar os materiais de que necessitavam, para poderem dar largas às suas ambições de conquista e de conhecimento.

Sendo um elemento indispensável na escalada pela segurança que conferem, as cordas de hoje são flexíveis, leves e coloridas, possuindo no seu interior um cordão adicional a que chamamos “alma”, e que lhes confere uma resistência acrescida.

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Produzidas em fábricas que não param de investigar as mais modernas inovações tecnológicas, para as tornar cada vez melhores, nada têm a ver com as antigas cordas de sisal, que transportadas às costas daquela gente, permitiam seguir para cima, conferindo uma precária segurança.

Desvio o olhar para as minhas cordas, bonitas e bem arrumadas, ansiosas por novas aventuras, e penso que talvez fosse desejável sermos como as novas cordas, flexíveis para podermos suportar melhor as quedas e os percalços da vida, ligeiras para podermos com mais leveza seguir o nosso caminho, e resistentes, para sabendo o que queremos alcançar, seguirmos em frente, indiferentes ao cansaço e às dificuldades que vamos encontrando.

Por isso, gosto tanto do montanhismo, pois através dele realço a minha “alma da corda”, o melhor de mim próprio.

Presto uma homenagem sentida, aos pioneiros do montanhismo, que com as suas toscas cordas mas plenos de coragem, ousaram desafiar o desconhecido, e partiram à procura dos seus próprios caminhos.

Estou certo que um dia, as nossas vidas cruzar-se-ão numa qualquer montanha, até lá, desejo que confiando na tua “alma da corda”  vás superando com ousadia, os desafios que a vida te vai colocando.

AO MAU TEMPO, CARA ALEGRE

A luz do entardecer esbatia-se rapidamente, e com ela vieram os primeiros flocos de neve, primeiro timidamente, depois com regularidade.

Foi já com o céu cor de chumbo, que a queda de neve se transformou em tempestade.

Impulsionadas por um vento que a cada instante aumentava de intensidade, os flocos de neve começaram a vestir a montanha de branco, apagando rapidamente as minhas pegadas.

O avanço revelava-se cada vez mais difícil, obrigando-me a um esforço suplementar.

Parei e olhei em meu redor, na esperança de encontrar alguma referência visual, consultei o mapa, bem protegido no bolso do meu casaco, nada, impossível, tudo à minha volta era branco e cinzento, ocultando qualquer vestígio que pudesse ajudar a orientar-me.

Sabia para onde queria ir, tinha planeado passar aquela noite num “col” a 3500 metros de altitude, no entanto, era preciso reavaliar a situação.

O meu altímetro indicava 3237 metros de altitude, e eu devia estar a cerca de 2 horas do meu objectivo, mas a falta de visibilidade complicava tudo!

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Decidi parar, para quê continuar a gastar energia sem saber se estava no rumo certo, correndo o risco de me afastar cada vez mais e de forma perigosa do objectivo que queria alcançar? Não fazia sentido.

Improvisei um bivaque, como estava a viajar em autonomia, tinha comigo o saco cama, o saco de bivaque, o fogão e todos os outros utensílios necessários.

Com dificuldade encontrei uma rocha, que juntamente com a minha mochila, utilizei para me proteger, acendi o meu frontal, meti-me dentro do saco cama e do saco de bivaque, e sentado de costas contra a rocha, comi e bebi o que me foi possível.

Em meu redor, a neve acumulava-se, conferindo aquele lugar uma áurea de magia.

É sempre possível encontrar beleza mesmo nas situações mais caóticas!

Decidi não me preocupar, controlava o que podia controlar, o resto, o que me escapava, não deveria apoquentar-me.

Devia manter-me atento, e esperar pacientemente, pois sei que a seguir a uma tempestade  vem sempre a bonança!

Acreditava que amanhã iria assistir a um amanhecer maravilhoso, e com ele à perspectiva de mais um dia magnifico, em que continuaria tranquilamente a minha jornada.

Por mais que queiramos avançar obstinadamente, por vezes é preciso saber parar, reavaliar as circunstâncias e esperar pelo despertar de um novo dia, que por mais longa que seja a noite, acabará sempre por surgir!

E assim foi, a meio da noite a tempestade amainou, e pela aurora, como que obedecendo a uma vontade superior, a queda de neve parou.

O céu desanuviou dando lugar a um azul magnifico, que contrastando com o branco das montanhas, conferia à paisagem uma beleza extraordinária!

Arrumei as minhas coisas e segui caminho, estava satisfeito comigo próprio por ter tomado a decisão acertada ,e sem a qual não teria agora o privilégio de assistir a tão deslumbrante espectáculo!

Sorri e disse para mim mesmo, que na montanha, tal como na vida, ao mau tempo cara alegre!

O SEGREDO DAS COISAS SIMPLES

Relembro as minhas primeiras expedições, em que carregava literalmente coisas inúteis, na ilusão e no receio de que me pudessem vir a fazer falta.

Lembro-me de por exemplo, em 1989, ano em que comecei a aventurar-me nestas andanças do montanhismo, na primeira atividade que realizei na Serra da Estrela, ter carregado durante dois dias uma quantidade de roupa desnecessária, tinha medo de passar frio, pois estávamos em pleno mês de Março.

O colega que partilhou comigo essa aventura, depois de me ver arrastar durante dois dias sob o peso de uma enorme mochila, perguntou-me porque é que tinha levado tanta roupa, se alguma dela não tinha chegado sequer a utilizar?

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Fiquei a pensar nisso e desde então, quando comecei a levar os meus próprios grupos para a montanha, não deixei que eles passassem por essa experiência.

Falamos previamente sobre o frio e outras situações em que as pessoas se podem sentir desconfortáveis, e quando começamos a subir já vão devidamente preparados para as condições climatéricas que poderão vir a encontrar, e qual a melhor maneira de se equiparem para lhes fazer frente.

Na montanha, tal como na vida, devemos “equipar-nos” apenas com o que é essencial para a “jornada”, temos de saber “largar” o que não interessa para que a nossa subida se torne mais prazerosa, e possamos desfrutar plenamente, das coisas gratificantes que a montanha tem para nos oferecer.

Até que as nossas vidas se cruzem numa qualquer montanha, desejo que superes com paixão os teus desafios.

ADORO VIAJAR

Eu adoro viajar.

Ao longo de todos estes anos a percorrer o mundo, existem vários lugares pelos quais sinto uma paixão muito especial.

Um desses sitios é o Nepal.

Fascinam-me as suas Montanhas, a sua cultura, as suas gentes.

Gosto particularmente do Vale de Khumbu, essa magnifica obra da natureza que conduz directamente ao sopé do Monte Evereste, a maior Montanha do Mundo.

É neste vale que habitam os sherpas, um povo oriundo do Tibete, que à muitos anos aqui se estabeleceu.

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Ferverosos praticantes da religião budista, os Sherpas são um povo alegre e muito trabalhador, que à custa de muita determinação e bom senso, conseguiu aproveitar as adversidades do meio em que vive para se tornar mais forte e mais resiliente.

Vivem uma vida simples, alimentando-se sobretudo dos produtos que eles próprios cultivam.

Não desperdiçando a mais pequena oportunidade para se divertirem, vivem cada dia como uma benção.

Apesar da vida dura que levam, o sorriso está sempre presente nos seus rostos bronzeados, cativando imediatamente pela simpatia que transmitem.

É impressionante a sua resistência física, que lhes permitem transportar cargas pesadíssimas a altitudes muito elevadas.

A sua determinação, forjada pelos obstáculos que diariamente enfrentam, permite-lhes seguir em frente mesmo nas condições mais adversas.

Adoro os Sherpas, identifico-me com eles nos seus traços de carácter, na sua humildade e generosidade.

É verdade que as Montanhas são uma verdadeira escola de vida, e para prová-lo, existirá sempre esse povo maravilhoso, de coração aberto e sorriso rasgado.

O POVO SHERPA!

Até que as nossas vidas se cruzem numa qualquer Montanha, desejo do fundo do coração, que vás superando com entusiasmo os desafios que a vida te coloca.

A DESCOBERTA DOS PIRINÉUS

Recordo com muito carinho a primeira vez que fui aos Pirinéus.

Foi no ano de 1992, na altura eu era Professor da disciplina de Educação Fisica na Escola Infante D. Pedro em Alverca, e tinha lá fundado um núcleo  de montanhismo em 1989.

Este clube todos os anos fazia actividades de vários dias nas Serras de Sintra , do Gerês e da Estrela, e comecei a pensar que o passo seguinte seria proporcionar aqueles jovens de 14 e 15 anos de idade, uma experiência fora do país.

Decidi levá-los ao Parque Natural dos Pirinéus Franceses!

Estávamos em Dezembro, e após uma actividade de 3 dias na Serra de Sintra, apresentei-lhes a minha ideia, a reacção deles não podia ser mais esclarecedora, todos queriam ir!

Em seguida, falei com a minha colega que era a presidente do Conselho Directivo da escola, que achou a ideia excelente, as coisas começavam a compor-se, isto apesar das criticas de alguns colegas, que se apressaram a antecipar imensos problemas e terríveis catástrofes!

Na minha cabeça a ideia era clara, conseguia visualizar claramente os contornos deste projecto.

Escolhi a pequena aldeia de Lourdios-Ichére  para ai assentar arraiais durante 15 dias, numa pequena casa disponibilizada pela “Mairie” local.

Iniciei o planeamento com os membros do grupo, que não cabiam em si de entusiasmo.

Não havia tempo a perder,  como existiam muito interessados e só 15 poderiam ir, decidimos que seria efectuado um sorteio entre os rapazes e outro entre as raparigas , para assim se respeitar o principio da proporcionalidade.

Depois, todos se dispuseram a preparar da melhor forma para tão ambicioso projecto, falei com as minhas colegas  das disciplinas de Geografia e Biologia, que estudaram com eles as caracteristicas da zona para onde iamos.

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Uma colega de Francês voluntariou-se para leccionar mais uma aula semanal, com a finalidade de os tornar autónomos na língua francesa, e eu, para além das aulas de Educação Fisica, agendava mais dois treinos semanais que todos cumpriam com inegável satisfação!

Tínhamos que nos preparar bem para aproveitar da melhor forma esta oportunidade! Quando existe um propósito claro, tudo se torna mais fácil!

Entretanto tinha sido feita uma reunião com os Encarregados de Educação, que manifestaram grande entusiasmo e confiança no projecto e em mim próprio.

Tudo corria como planeado, em Março mantivemos a nossa actividade habitual em neve e rocha na Serra da Estrela, e em Junho, fizemos a tradicional travessia do Gerês em autonomia, durante 7 dias.

Chegou finalmente o dia mais difícil, sortear quem iria à viagem! Na presença de todos foram retirados os 15 nomes finais, e por entre lágrimas e sorrisos, todos se felicitaram, os que iam e os que infelizmente ficavam!

Que belo espirito de equipa, orgulhava-me deles, de todos eles, tinha-lhes ensinado o valor da partilha, da entreajuda, da solidariedade, durante as nossas actividades, sempre que alguém por exemplo abria um pacote de bolachas, partilhava-o naturalmente por todos, e agora o resultado estava ali! Fiquei comovido.

Chegou o dia da partida, e lá fomos nós de comboio, eu, mais 6 raparigas e 9 rapazes, numa viagem que durou 23 horas!

Por lá ficamos 15 dias, vivendo de forma comunitária, apoiando-nos uns aos outros, e fazendo actividades até mais não poder!

Escalada, Rapel, Canionismo, Caminhada, Espeleologia, a subida ao Pico de Anie com 2501 metros de altitude, a minha primeira corrida de montanha, e sobretudo muito convivio, muitas conversas à fogueira, muitas peripécias, muitos sonhos partilhados, muitos abraços fraternos.

No meio da lama, da chuva, do suor e do cansaço, fomos uma verdadeira equipa, um grupo de amigos, uma familia!

As dificuldades uniram-nos, e regressámos mais fortes!

Decorreram 24 anos, já 24 anos, muitas voltas deu a vida, deixei de ver alguns deles, sou amigo de outros, padrinho de alguns dos seus filhos, mas dentro do meu coração, esta façanha perdurará para sempre.

Recordo os rostos de todos eles, as suas caras juvenis, risonhas, cheias de esperança, e eu a esta distância, sinto uma pontinha de orgulho, porque sei que a experiência que os ajudei a viver marcou a vida deles.

Mostrei-lhes que é bom sonhar, que o mundo é vasto e belo, na sua grandeza e abundância, que quando as boas vontades e a amizade se unem, tudo se torna possível, e que todos os sonhos, mesmo os mais inverossímeis, quando regados com suor e alimentados com esperança, podem originar belas experiências de vida!

DIÁRIO DE UM ALPINISTA

Quero partilhar contigo uma página do meu diário, referente a uma expedição que realizei há alguns anos, e da qual guardo gratas e carinhosas recordações. Aqui vai…

Diário de um Alpinista

Dia 17 da expedição ao Muztagh-Ata (7546 m) – China

São 2 horas da manhã (10 horas da manhã em Portugal).

Ainda dentro do meu saco cama, atrevo-me a meter a cabeça fora da tenda.

O meu relógio marca  20º negativos de temperatura… BRRR!

É preciso levantar, ganhar coragem para abandonar o conforto do meu saco cama, coberto por uma camada de gelo fino que se parte a cada movimento que faço.

Acendo o fogão e princípio a tarefa de derreter neve, é preciso preparar o máximo de líquidos, ingerir a maior quantidade possível de sopa e de chá.

Esta 2ª noite passada a 6950 metros de altitude, tem efeitos devastadores sobre um organismo menos bem hidratado.

Acordo o meu colega Denis, que é francês, passou muito mal a noite, sofre muito com a altitude e só a sua enorme perseverança o mantém aqui.

Dou-lhe de beber e de comer, alerto-o para a necessidade de “escutar” o seu corpo, pois só assim evitará algum excesso que lhe possa ser fatal.

Duas horas mais tarde estamos fora da tenda, debaixo dos nossos crampons, o gelo e a neve rangem a cada passo.

Á nossa frente, talvez a 8 horas de distância, o cume do Muztagh-Ata brilha, como que a desafiar-nos para que o alcancemos.

Iniciamos a ascensão, passo a passo, respiração a respiração, toda a atenção é pouca, a escuridão da noite  apesar de rasgada pela luz dos nossos frontais, esconde

enormes perigos que é preciso saber evitar.

No céu vêem-se já as primeiras claridades da aurora, numa panóplia de cores que o melhor dos pintores por certo não desdenharia. Magnifico!

Continuo no meu esforço, agora sozinho, o Denis não aguentava mais, estava exausto.

Sei que não posso parar, se o fizer, o frio intenso acabará por me vencer.

Cada músculo do meu corpo, faz-me lembrar que estou vivo, o silêncio, este majestoso silêncio, enche-me de paz, apesar das dificuldades….

Deixo de subir, cheguei ao cume!

Ao meu redor que paisagem, o deserto de Taklamakan, as Montanhas do Paquistão, do Kazaquistão, do Afeganistão, do Kirguistão, eu sei lá….

Sento-me. Que beleza, que paz, que silêncio, que grandiosidade.

Como poderei eu alguma vez explicar o que vejo e sinto? Impossível!

Não há palmas, não há público, só eu e as montanhas ao meu redor.

O corpo pede-me para ficar, é normal, a 7546 metros de altitude,  o oxigénio está reduzido a apenas 30%,e tem esse efeito sobre nós.

Tiro fotografias e desço, tenho de descer, o objectivo é chegar ao cume e regressar, são e salvo!

Sinto os dedos frios e as forças ao fim de dez horas de intensa actividade já não são as mesmas.

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Três horas mais tarde  avisto ao longe o amarelo da minha tenda, e os braços do Denis que se agitam no ar a indicar-me o caminho, mais uns passos e estarei a salvo no conforto do saco cama e com uma caneca de chá nas mãos, para me aquecer.

Finalmente cheguei, o meu companheiro felicitou-me e oferece-me o chá que eu tanto anseie, agradeço-lhe e preparo-me para passar outra noite a 6950 metros de altitude.

Sinto-me tranquilo e cansado, muito cansado! Subir e descer custaram-me 14 horas de esforço e ligeiras congelações nos dedos. Ossos do ofício.

Amanhã há mais, é preciso descer para o campo base, a 4400 metros de altitude, só aí estarei totalmente seguro.

Por hoje terminou a jornada, é bom sentir o calor do saco cama que pouco a pouco vai invadindo o meu corpo.

Ao som da música do meu mp3, sinto os olhos cada vez mais pesados e o último pensamento que tenho, é o de que vale a pena sonhar……. Sonhar …….

Espero que tenhas gostado, é um pedaço das minhas memórias da montanha, que quis partilhar contigo.

Espero que ele te possa ter inspirado, a lutares cada vez com mais força e determinação, pelos teus objectivos!

Um grande abraço, e até ao dia em que possamos subir juntos, uma bela Montanha!

QUE CAMINHO DEVO SEGUIR?

Na Montanha e na vida, são bons todos os caminhos que conduzem aos caminhos mais altos.

Atingi-los, implica sempre enfrentar e ultrapassar, dificuldades e obstáculos que só valorizam ainda mais a nossa caminhada.

Saber para onde dirigir os nossos passos, é perceber qual é o melhor caminho a percorrer, aquele que melhor nos serve, aquele que mesmo sem sabermos,foi feito para nós, para o seguirmos, com coragem e determinação.

Uma Montanha pode ser sempre subida de várias maneiras, no entanto cada um de nós deve trilhar o seu próprio caminho, que é único, porque únicas são também as características de cada um, nas suas forças e nas suas fraquezas, nas suas ambições e nos seus sonhos, na sua vontade e no seu carácter!

Quanto melhor conheço as Montanhas, mais valorizo a capacidade de saber escolher qual o caminho que quero seguir, de me comprometer com ele e de seguir em frente.

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Incentivo-te a fazer o mesmo, com confiança e determinação, o caminho está lá para ti, à tua espera, porque acredita, existe sempre uma maneira que é a tua e só tua, de subires a tua MONTANHA!

Até que as nossas vidas se cruzem, numa qualquer Montanha, desejo que superes com paixão os teus desafios.