A Alma da Corda

Acredito que temos uma alma com funções idênticas à das cordas do montanhismo, que mais não é do que a nossa autenticidade, que nos permite resistir a todas as adversidades, e seguir imparáveis na perseguição dos nossos sonhos.

Gosto de rever as antigas fotografias dos pioneiros do Montanhismo, desses homens e mulheres que à custa de muita coragem e determinação, mostraram ao mundo locais até então desconhecidos.

Reparo nas suas toscas indumentárias, e salta-me à vista as cordas que então usavam, rijas, ásperas, pesadas e pouco resistentes.

Tiveram a capacidade de improvisar os materiais de que necessitavam, para poderem dar largas às suas ambições de conquista e de conhecimento.

Sendo um elemento indispensável na escalada pela segurança que conferem, as cordas de hoje são flexíveis, leves e coloridas, possuindo no seu interior um cordão adicional a que chamamos “alma”, e que lhes confere uma resistência acrescida.

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Produzidas em fábricas que não param de investigar as mais modernas inovações tecnológicas, para as tornar cada vez melhores, nada têm a ver com as antigas cordas de sisal, que transportadas às costas daquela gente, permitiam seguir para cima, conferindo uma precária segurança.

Desvio o olhar para as minhas cordas, bonitas e bem arrumadas, ansiosas por novas aventuras, e penso que talvez fosse desejável sermos como as novas cordas, flexíveis para podermos suportar melhor as quedas e os percalços da vida, ligeiras para podermos com mais leveza seguir o nosso caminho, e resistentes, para sabendo o que queremos alcançar, seguirmos em frente, indiferentes ao cansaço e às dificuldades que vamos encontrando.

Por isso, gosto tanto do montanhismo, pois através dele realço a minha “alma da corda”, o melhor de mim próprio.

Presto uma homenagem sentida, aos pioneiros do montanhismo, que com as suas toscas cordas mas plenos de coragem, ousaram desafiar o desconhecido, e partiram à procura dos seus próprios caminhos.

Estou certo que um dia, as nossas vidas cruzar-se-ão numa qualquer montanha, até lá, desejo que confiando na tua “alma da corda”  vás superando com ousadia, os desafios que a vida te vai colocando.

Manuel Dias

Manuel Dias era um atleta muito franzino que primava pela sua permanente boa disposição.

Sendo ardina de profissão, como a maior parte dos corredores pedestres dessa altura,recolhia os jornais no Bairro Alto, onde se situavam a maior parte das redacções dos jornais de então, e partia em passo de corrida pela cidade fora, distribuindo pelos clientes os jornais que transportava numa sacola, aproveitando assim para treinar para as provas!

Como corredor marcou uma época, tendo ficado conhecido pelas suas presenças na Maratona dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936 e na Maratona da Coroação em Londres, ano seguinte, onde aliás ficou num honroso 2º lugar!

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Nos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim, os jogos de Hitler, Manuel Dias comandou a prova da Maratona até aos 15 km, juntamente com o Argentino Zaballa, tendo passado em 4º lugar à Meia Maratona, facto devidamente anunciando nos altifalantes do Estádio Olímpico.

No entanto a utilização de umas sapatilhas de ginástica muito frágeis, que lhe tinham oferecido dias antes e que ele nem sequer experimentara, deixaram-lhe os pés em sangue, obrigando-o a parar por volta dos 30 kms.

Foi nessa altura que um escuteiro que prestava apoio à prova, lhe emprestou as suas botas, permitindo-lhe assim terminar a Maratona em 17º lugar.

No final, Manuel Dias referiu que, na ânsia de prestigiar o nosso país, se tinha entusiasmado na parte inicial, correndo mais rápido do que o aconselhado.

Manuel Dias que começou a correr pelo Grupo Desportivo Vendedores de Jornais, representou também o Benfica e o Sporting, tendo sido Campeão Nacional 25 vezes, 6 delas na Maratona e 8 no Corta- Mato.

Apesar dos seus feitos, continuou a ser ardina, trabalho que desempenhava desde menino.

Anos mais tarde, em 1949, ainda vendedor de jornais, saiu-lhe um prémio na lotaria no valor de 40 contos (200€ na moeda actual), tendo com esse dinheiro fundado o Jornal Desportivo “Record”.

Sendo talvez, o primeiro grande fundista da História do Atletismo Português, será sempre recordado como um atleta alegre e generoso, pequeno no tamanho, mas muito grande na vontade de VENCER!

 

 

NUNCA É TARDE PARA COMEÇAR…

Faleceu no ano passado, no dia 16 de Outubro de 2017, a Senhora Harriette Thompson, com 94 anos, uma mulher que nos ensinou que nunca é tarde demais para começarmos o que quer que seja.

A Senhora Harriette, sobrevivente de 2 cancros ( na pele e no maxilar), começou em 1999 a correr a Maratona, com 76 anos de idade e só parou aos 92.

Antes só havia corrido com o seu marido distâncias mais curtas, na década de 50, no entanto, desafiada por uma amiga do coro onde cantava, decidiu participar na Maratona de San Diego como forma de angariar dinheiro para as pesquisas sobre a Leucemia e o Linfoma.

Ano após ano, esta Senhora foi terminando Maratonas, até que em 2015 se tornou a mulher mais velha a terminar uma Maratona, mais uma vez a de San Diego, com a proveta idade de 92 anos e 93 dias, percorrendo os 42.195 metros em 7 horas, 24 minutos e 36 segundos!

este ano, mais precisamente em 4 de Junho de 2017, completa a Meia Maratona de San Diego em 3 horas, 42 minutos e 56 segundos, tornando-se a mulher mais velha de sempre a completar esta distância!

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A sua última prova foi no dia 26 de Agosto de 2017 em Charlotte na distância de 5 kms.

Harriette, que perdeu o seu marido para o cancro em 2015, e que tinha um dos seus 5 filhos doente com a mesma doença, corria por uma causa, para a qual conseguiu angariar mais de 120.000 dólares ao longo de 18 anos.

Adorava a música, tendo sido pianista profissional do Carnegie Hall, a casa de concertos mais famosa de Nova York, e afirmava que corria sempre com a música de Rachmaninoff, o seu compositor preferido, na cabeça, não precisando de auscultadores, porque a imaginava!

Para ela, tocar piano era bem mais difícil do que correr a Maratona!

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Quando bateu o recorde do Mundo, cortou a meta com o seu filho Brenneman, e disse que estava bem porque foi muito mimada durante todo o trajeto.

Perguntavam-lhe muitas vezes como se sentia, respondia sempre: ” Estou bem, a não ser que queiram saber os detalhes, tenho limitações que não tinha antes e não me mexo tão rápido como há 18 anos atrás, mas no geral estou bem!” dizia sempre sorrindo.

Pensamento positivo, uma causa pela qual lutar, e uma força de viver indomável!

Mais palavras para quê…

 

AO MAU TEMPO, CARA ALEGRE

A luz do entardecer esbatia-se rapidamente, e com ela vieram os primeiros flocos de neve, primeiro timidamente, depois com regularidade.

Foi já com o céu cor de chumbo, que a queda de neve se transformou em tempestade.

Impulsionadas por um vento que a cada instante aumentava de intensidade, os flocos de neve começaram a vestir a montanha de branco, apagando rapidamente as minhas pegadas.

O avanço revelava-se cada vez mais difícil, obrigando-me a um esforço suplementar.

Parei e olhei em meu redor, na esperança de encontrar alguma referência visual, consultei o mapa, bem protegido no bolso do meu casaco, nada, impossível, tudo à minha volta era branco e cinzento, ocultando qualquer vestígio que pudesse ajudar a orientar-me.

Sabia para onde queria ir, tinha planeado passar aquela noite num “col” a 3500 metros de altitude, no entanto, era preciso reavaliar a situação.

O meu altímetro indicava 3237 metros de altitude, e eu devia estar a cerca de 2 horas do meu objectivo, mas a falta de visibilidade complicava tudo!

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Decidi parar, para quê continuar a gastar energia sem saber se estava no rumo certo, correndo o risco de me afastar cada vez mais e de forma perigosa do objectivo que queria alcançar? Não fazia sentido.

Improvisei um bivaque, como estava a viajar em autonomia, tinha comigo o saco cama, o saco de bivaque, o fogão e todos os outros utensílios necessários.

Com dificuldade encontrei uma rocha, que juntamente com a minha mochila, utilizei para me proteger, acendi o meu frontal, meti-me dentro do saco cama e do saco de bivaque, e sentado de costas contra a rocha, comi e bebi o que me foi possível.

Em meu redor, a neve acumulava-se, conferindo aquele lugar uma áurea de magia.

É sempre possível encontrar beleza mesmo nas situações mais caóticas!

Decidi não me preocupar, controlava o que podia controlar, o resto, o que me escapava, não deveria apoquentar-me.

Devia manter-me atento, e esperar pacientemente, pois sei que a seguir a uma tempestade  vem sempre a bonança!

Acreditava que amanhã iria assistir a um amanhecer maravilhoso, e com ele à perspectiva de mais um dia magnifico, em que continuaria tranquilamente a minha jornada.

Por mais que queiramos avançar obstinadamente, por vezes é preciso saber parar, reavaliar as circunstâncias e esperar pelo despertar de um novo dia, que por mais longa que seja a noite, acabará sempre por surgir!

E assim foi, a meio da noite a tempestade amainou, e pela aurora, como que obedecendo a uma vontade superior, a queda de neve parou.

O céu desanuviou dando lugar a um azul magnifico, que contrastando com o branco das montanhas, conferia à paisagem uma beleza extraordinária!

Arrumei as minhas coisas e segui caminho, estava satisfeito comigo próprio por ter tomado a decisão acertada ,e sem a qual não teria agora o privilégio de assistir a tão deslumbrante espectáculo!

Sorri e disse para mim mesmo, que na montanha, tal como na vida, ao mau tempo cara alegre!

A MARATONA E A VIDA

No domingo passado corri mais uma maratona, a de Lisboa.

Ao longo do ano vou participando nalgumas corridas de longa distância, é uma maneira de estar preparado para as aventuras que vão surgindo.

Do meu treino “útil”, faz parte a capacidade de a qualquer altura e em qualquer lugar, ser capaz de correr durante muitas horas.

E assim foi, no sábado inscrevi-me, e no domingo lá estava eu na linha de partida, com as pernas ainda doridas do treino que havia efectuado na sexta-feira anterior.

Para mim, correr uma longa distância é como fazer um filme sobre a própria vida, é sempre uma aventura!

Dada a partida, é essencial escolhermos o ritmo que melhor nos convém, ignorando o modo como as outras centenas de corredores que nos rodeiam, querem seguir o seu caminho.

Somos nós que escolhemos como queremos conduzir a nossa corrida e já agora, a nossa própria vida!

À medida que os quilómetros vão passando, é muito importante irmos  “escutando” o nosso corpo, irmos percebendo se aquele é o ritmo certo, se aquela passada é a adequada à concretização do nosso objectivo, terminar em beleza os 42,195 metros da maratona.

Cada vez que passava por um abastecimento que um(a) jovem de cara alegre nos oferecia,aceitava e agradecia, retribuindo-lhe a sua amabilidade com o meu sorriso.

À passagem pelas bandas de música que animavam o caminho, cantava, divertia-me, e desta forma sacudia por momentos, o peso de tão longa jornada.

Quantas e quantas vezes na nossa vida, perdemos a oportunidade de descontrair, não oferecendo a nós próprios os momentos de diversão que merecemos!

Inclusive, aos primeiros acordes de “knocking on heaven`s door”, um original de Bob Dylan, emocionei-me ao recordar um amigo já desaparecido, com quem tocava esta música. Redobrei de ânimo!

Os quilómetros iam passando, as sensações eram boas, estava a desfrutar de tudo, da paisagem, dos aplausos das pessoas, e do meu próprio desempenho.

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Não compito contra nada, nem contra ninguém.

Ás vezes oiço dizer a outras pessoas, que competem contra si próprios, contra o percurso, contra os outros, não é isso que se passa comigo, os outros para mim são apenas companheiros de jornada, que não hesito em ajudar se tal for necessário.

Não compito contra o percurso, desfruto dele e muito menos contra mim próprio, pois sei que a jornada deve ser feita não contra mim, mas comigo próprio, com a minha consciência, as minhas emoções, o meu corpo, tudo em harmonia.

Com o acumular dos quilómetros e da fadiga, aparece um ou outro momento menos bom, que é preciso enfrentar com fé e determinação, sabendo que somos capazes, que tudo irá passar, que a meta está cada vez mais próxima!

Com estes pensamentos voltamos a focar-nos no que é essencial, voltamos a escutar o nosso corpo, e afinamo-lo com o nosso propósito, passada após passada.

Nos últimos quilómetros já não existe o calor dos aplausos, a paisagem deixa de ser bonita, não interessa, temo-nos a nós próprios, ao nosso ânimo, à nossa generosidade, ao nosso querer, e continuamos em frente!

Por fim, meta à vista! Sem querer estugamos o passo, agradecemos os últimos aplausos e satisfeitos, cruzamos a meta, de sorriso na cara!

Mais do que olhar para o relógio, fica o orgulho de terminar mais uma maratona sem ter precisado de andar.

Agora é hora de celebrar! A vida deve ser comemorada em todas as oportunidades, por mais pequenas e banais que sejam!

Vamos a isso! De roupa mudada e em boa companhia  sento-me numa esplanada, e erguendo o meu copo de cerveja, brindo a todos os companheiros e companheiras, que naquela manhã solarenga ousaram sair da sua zona de conforto, e dando o melhor de si próprios, terminaram a Maratona.

Todos saíram vitoriosos!

O SEGREDO DAS COISAS SIMPLES

Relembro as minhas primeiras expedições, em que carregava literalmente coisas inúteis, na ilusão e no receio de que me pudessem vir a fazer falta.

Lembro-me de por exemplo, em 1989, ano em que comecei a aventurar-me nestas andanças do montanhismo, na primeira atividade que realizei na Serra da Estrela, ter carregado durante dois dias uma quantidade de roupa desnecessária, tinha medo de passar frio, pois estávamos em pleno mês de Março.

O colega que partilhou comigo essa aventura, depois de me ver arrastar durante dois dias sob o peso de uma enorme mochila, perguntou-me porque é que tinha levado tanta roupa, se alguma dela não tinha chegado sequer a utilizar?

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Fiquei a pensar nisso e desde então, quando comecei a levar os meus próprios grupos para a montanha, não deixei que eles passassem por essa experiência.

Falamos previamente sobre o frio e outras situações em que as pessoas se podem sentir desconfortáveis, e quando começamos a subir já vão devidamente preparados para as condições climatéricas que poderão vir a encontrar, e qual a melhor maneira de se equiparem para lhes fazer frente.

Na montanha, tal como na vida, devemos “equipar-nos” apenas com o que é essencial para a “jornada”, temos de saber “largar” o que não interessa para que a nossa subida se torne mais prazerosa, e possamos desfrutar plenamente, das coisas gratificantes que a montanha tem para nos oferecer.

Até que as nossas vidas se cruzem numa qualquer montanha, desejo que superes com paixão os teus desafios.

ADORO VIAJAR

Eu adoro viajar.

Ao longo de todos estes anos a percorrer o mundo, existem vários lugares pelos quais sinto uma paixão muito especial.

Um desses sitios é o Nepal.

Fascinam-me as suas Montanhas, a sua cultura, as suas gentes.

Gosto particularmente do Vale de Khumbu, essa magnifica obra da natureza que conduz directamente ao sopé do Monte Evereste, a maior Montanha do Mundo.

É neste vale que habitam os sherpas, um povo oriundo do Tibete, que à muitos anos aqui se estabeleceu.

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Ferverosos praticantes da religião budista, os Sherpas são um povo alegre e muito trabalhador, que à custa de muita determinação e bom senso, conseguiu aproveitar as adversidades do meio em que vive para se tornar mais forte e mais resiliente.

Vivem uma vida simples, alimentando-se sobretudo dos produtos que eles próprios cultivam.

Não desperdiçando a mais pequena oportunidade para se divertirem, vivem cada dia como uma benção.

Apesar da vida dura que levam, o sorriso está sempre presente nos seus rostos bronzeados, cativando imediatamente pela simpatia que transmitem.

É impressionante a sua resistência física, que lhes permitem transportar cargas pesadíssimas a altitudes muito elevadas.

A sua determinação, forjada pelos obstáculos que diariamente enfrentam, permite-lhes seguir em frente mesmo nas condições mais adversas.

Adoro os Sherpas, identifico-me com eles nos seus traços de carácter, na sua humildade e generosidade.

É verdade que as Montanhas são uma verdadeira escola de vida, e para prová-lo, existirá sempre esse povo maravilhoso, de coração aberto e sorriso rasgado.

O POVO SHERPA!

Até que as nossas vidas se cruzem numa qualquer Montanha, desejo do fundo do coração, que vás superando com entusiasmo os desafios que a vida te coloca.

A DESCOBERTA DOS PIRINÉUS

Recordo com muito carinho a primeira vez que fui aos Pirinéus.

Foi no ano de 1992, na altura eu era Professor da disciplina de Educação Fisica na Escola Infante D. Pedro em Alverca, e tinha lá fundado um núcleo  de montanhismo em 1989.

Este clube todos os anos fazia actividades de vários dias nas Serras de Sintra , do Gerês e da Estrela, e comecei a pensar que o passo seguinte seria proporcionar aqueles jovens de 14 e 15 anos de idade, uma experiência fora do país.

Decidi levá-los ao Parque Natural dos Pirinéus Franceses!

Estávamos em Dezembro, e após uma actividade de 3 dias na Serra de Sintra, apresentei-lhes a minha ideia, a reacção deles não podia ser mais esclarecedora, todos queriam ir!

Em seguida, falei com a minha colega que era a presidente do Conselho Directivo da escola, que achou a ideia excelente, as coisas começavam a compor-se, isto apesar das criticas de alguns colegas, que se apressaram a antecipar imensos problemas e terríveis catástrofes!

Na minha cabeça a ideia era clara, conseguia visualizar claramente os contornos deste projecto.

Escolhi a pequena aldeia de Lourdios-Ichére  para ai assentar arraiais durante 15 dias, numa pequena casa disponibilizada pela “Mairie” local.

Iniciei o planeamento com os membros do grupo, que não cabiam em si de entusiasmo.

Não havia tempo a perder,  como existiam muito interessados e só 15 poderiam ir, decidimos que seria efectuado um sorteio entre os rapazes e outro entre as raparigas , para assim se respeitar o principio da proporcionalidade.

Depois, todos se dispuseram a preparar da melhor forma para tão ambicioso projecto, falei com as minhas colegas  das disciplinas de Geografia e Biologia, que estudaram com eles as caracteristicas da zona para onde iamos.

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Uma colega de Francês voluntariou-se para leccionar mais uma aula semanal, com a finalidade de os tornar autónomos na língua francesa, e eu, para além das aulas de Educação Fisica, agendava mais dois treinos semanais que todos cumpriam com inegável satisfação!

Tínhamos que nos preparar bem para aproveitar da melhor forma esta oportunidade! Quando existe um propósito claro, tudo se torna mais fácil!

Entretanto tinha sido feita uma reunião com os Encarregados de Educação, que manifestaram grande entusiasmo e confiança no projecto e em mim próprio.

Tudo corria como planeado, em Março mantivemos a nossa actividade habitual em neve e rocha na Serra da Estrela, e em Junho, fizemos a tradicional travessia do Gerês em autonomia, durante 7 dias.

Chegou finalmente o dia mais difícil, sortear quem iria à viagem! Na presença de todos foram retirados os 15 nomes finais, e por entre lágrimas e sorrisos, todos se felicitaram, os que iam e os que infelizmente ficavam!

Que belo espirito de equipa, orgulhava-me deles, de todos eles, tinha-lhes ensinado o valor da partilha, da entreajuda, da solidariedade, durante as nossas actividades, sempre que alguém por exemplo abria um pacote de bolachas, partilhava-o naturalmente por todos, e agora o resultado estava ali! Fiquei comovido.

Chegou o dia da partida, e lá fomos nós de comboio, eu, mais 6 raparigas e 9 rapazes, numa viagem que durou 23 horas!

Por lá ficamos 15 dias, vivendo de forma comunitária, apoiando-nos uns aos outros, e fazendo actividades até mais não poder!

Escalada, Rapel, Canionismo, Caminhada, Espeleologia, a subida ao Pico de Anie com 2501 metros de altitude, a minha primeira corrida de montanha, e sobretudo muito convivio, muitas conversas à fogueira, muitas peripécias, muitos sonhos partilhados, muitos abraços fraternos.

No meio da lama, da chuva, do suor e do cansaço, fomos uma verdadeira equipa, um grupo de amigos, uma familia!

As dificuldades uniram-nos, e regressámos mais fortes!

Decorreram 24 anos, já 24 anos, muitas voltas deu a vida, deixei de ver alguns deles, sou amigo de outros, padrinho de alguns dos seus filhos, mas dentro do meu coração, esta façanha perdurará para sempre.

Recordo os rostos de todos eles, as suas caras juvenis, risonhas, cheias de esperança, e eu a esta distância, sinto uma pontinha de orgulho, porque sei que a experiência que os ajudei a viver marcou a vida deles.

Mostrei-lhes que é bom sonhar, que o mundo é vasto e belo, na sua grandeza e abundância, que quando as boas vontades e a amizade se unem, tudo se torna possível, e que todos os sonhos, mesmo os mais inverossímeis, quando regados com suor e alimentados com esperança, podem originar belas experiências de vida!

Cliff Young – O Vencedor Improvável

A ultra maratona de Sidney a Melbourne é considerada um dos desafios físicos mais difíceis do mundo.

Ao longo de 875 km, os participantes atravessam montes e planícies durante pelo menos 7 dias!

Têm ordem para comer e dormir onde entenderem, e o vencedor recebe um prémio de 10 mil dólares.

Em 1983, um homem muito magro de 61 anos, produtor de batatas, decidiu participar, apresentando-se na linha de partida de fato de macaco e galochas, para espanto dos outros corredores que apresentavam os últimos modelos da Nike, da Reebok, da Adidas… O gozo foi geral!

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Perante os organizadores e jornalistas, preocupados com a possibilidade de um ataque cardíaco, Cliff Young, assim se chamava este bizarro participante, assegurou-lhes que tinha crescido numa quinta onde não existindo cavalos ou qualquer outro veiculo, era ele que muitas vezes, perante a iminência de uma tempestade, tinha que correr durante dois ou três dias seguidos, para assim reunir as duas mil ovelhas da família, espalhadas por uma quinta de 4000 hectares.

Quando a corrida começou, todos os corredores arrancaram a alta velocidade, deixando Cliff para trás!

Pouco incomodado, Cliff continuou no seu ritmo lento e com passada curta, reforçando a preocupação dos organizadores de que a qualquer momento, e em qualquer lugar do percurso, o iriam encontrar morto!

Cliff, que nunca tinha conhecido nenhum corredor de longa distância, nem nenhum treinador, que tão pouco lera alguma vez algum livro ou revista sobre corrida, tinha um segredo que ele próprio desconhecia.

Não sabia que, numa corrida desta dimensão, era suposto dormir seis ou sete horas por noite!

Na primeira noite, Cliff apenas dormiu duas horas, enquanto os outros dormiam, ele continuava no seu passo lento e curto, sempre devagar mas sem nunca parar!

Assumiu a liderança, que nunca mais perdeu até ao fim da corrida!

No dia seguinte dormiu apenas uma hora, correndo sem parar durante 23 horas!

Indiferente a tudo e a todos, quase sem dormir, Cliff percorreu os 875 km do percurso em 5 dias, 15 horas e 4 minutos, deixando o segundo classificado a mais de dez horas!

Apesar de correr quase 4 maratonas por dia, Cliff Young, retirou mais de dois dias ao anterior recorde! UFA…

Gosto muito desta história! Ela diz-nos que devemos sempre seguir o nosso próprio caminho, à velocidade que mais nos convém, indiferentes às criticas e opiniões de outras pessoas, e fazendo “tábua rasa” de crenças que sendo fundamentais para outros, podem não nos servir a nós próprios.

É preciso desafiá-las SEMPRE!

DIÁRIO DE UM ALPINISTA

Quero partilhar contigo uma página do meu diário, referente a uma expedição que realizei há alguns anos, e da qual guardo gratas e carinhosas recordações. Aqui vai…

Diário de um Alpinista

Dia 17 da expedição ao Muztagh-Ata (7546 m) – China

São 2 horas da manhã (10 horas da manhã em Portugal).

Ainda dentro do meu saco cama, atrevo-me a meter a cabeça fora da tenda.

O meu relógio marca  20º negativos de temperatura… BRRR!

É preciso levantar, ganhar coragem para abandonar o conforto do meu saco cama, coberto por uma camada de gelo fino que se parte a cada movimento que faço.

Acendo o fogão e princípio a tarefa de derreter neve, é preciso preparar o máximo de líquidos, ingerir a maior quantidade possível de sopa e de chá.

Esta 2ª noite passada a 6950 metros de altitude, tem efeitos devastadores sobre um organismo menos bem hidratado.

Acordo o meu colega Denis, que é francês, passou muito mal a noite, sofre muito com a altitude e só a sua enorme perseverança o mantém aqui.

Dou-lhe de beber e de comer, alerto-o para a necessidade de “escutar” o seu corpo, pois só assim evitará algum excesso que lhe possa ser fatal.

Duas horas mais tarde estamos fora da tenda, debaixo dos nossos crampons, o gelo e a neve rangem a cada passo.

Á nossa frente, talvez a 8 horas de distância, o cume do Muztagh-Ata brilha, como que a desafiar-nos para que o alcancemos.

Iniciamos a ascensão, passo a passo, respiração a respiração, toda a atenção é pouca, a escuridão da noite  apesar de rasgada pela luz dos nossos frontais, esconde

enormes perigos que é preciso saber evitar.

No céu vêem-se já as primeiras claridades da aurora, numa panóplia de cores que o melhor dos pintores por certo não desdenharia. Magnifico!

Continuo no meu esforço, agora sozinho, o Denis não aguentava mais, estava exausto.

Sei que não posso parar, se o fizer, o frio intenso acabará por me vencer.

Cada músculo do meu corpo, faz-me lembrar que estou vivo, o silêncio, este majestoso silêncio, enche-me de paz, apesar das dificuldades….

Deixo de subir, cheguei ao cume!

Ao meu redor que paisagem, o deserto de Taklamakan, as Montanhas do Paquistão, do Kazaquistão, do Afeganistão, do Kirguistão, eu sei lá….

Sento-me. Que beleza, que paz, que silêncio, que grandiosidade.

Como poderei eu alguma vez explicar o que vejo e sinto? Impossível!

Não há palmas, não há público, só eu e as montanhas ao meu redor.

O corpo pede-me para ficar, é normal, a 7546 metros de altitude,  o oxigénio está reduzido a apenas 30%,e tem esse efeito sobre nós.

Tiro fotografias e desço, tenho de descer, o objectivo é chegar ao cume e regressar, são e salvo!

Sinto os dedos frios e as forças ao fim de dez horas de intensa actividade já não são as mesmas.

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Três horas mais tarde  avisto ao longe o amarelo da minha tenda, e os braços do Denis que se agitam no ar a indicar-me o caminho, mais uns passos e estarei a salvo no conforto do saco cama e com uma caneca de chá nas mãos, para me aquecer.

Finalmente cheguei, o meu companheiro felicitou-me e oferece-me o chá que eu tanto anseie, agradeço-lhe e preparo-me para passar outra noite a 6950 metros de altitude.

Sinto-me tranquilo e cansado, muito cansado! Subir e descer custaram-me 14 horas de esforço e ligeiras congelações nos dedos. Ossos do ofício.

Amanhã há mais, é preciso descer para o campo base, a 4400 metros de altitude, só aí estarei totalmente seguro.

Por hoje terminou a jornada, é bom sentir o calor do saco cama que pouco a pouco vai invadindo o meu corpo.

Ao som da música do meu mp3, sinto os olhos cada vez mais pesados e o último pensamento que tenho, é o de que vale a pena sonhar……. Sonhar …….

Espero que tenhas gostado, é um pedaço das minhas memórias da montanha, que quis partilhar contigo.

Espero que ele te possa ter inspirado, a lutares cada vez com mais força e determinação, pelos teus objectivos!

Um grande abraço, e até ao dia em que possamos subir juntos, uma bela Montanha!